domingo, 19 de agosto de 2012

A DEGRADAÇÃO DA MEMÓRIA E O ÊXITO DA LEMBRANÇA NA MODERNIDADE


Este trabalho é parte de um artigo que apresentei na UNICAMP
na  ocasião do XIV Encontro de Pesquisa em Filosofia

Marcada pela inconstância e pela interrupção constante dos acontecimentos, pode-se dizer que na modernidade reina um princípio de incerteza. Nesse sentido, Singer enfatiza que “a modernidade implicou um mundo fenomenal – especificamente urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico, fragmentado e desorientador do que as fazes anteriores da cultura humana”. [1] Desse modo, pode-se dizer que no ambiente moderno, o homem já não pode mais memorizar, mas apenas lembrar aquelas coisas que anteriormente foram memorizadas.
Certamente, só está na memória aquilo que passara pelo processo de vida real dos indivíduos concretos desde a infância até os o confins da vida quando a morte, então, se aproxima. Mas, a própria morte também se configura como relevante para a continuidade da narrativa dado que ela favorece o processo de transmissão. Segundo Jeanne Marie Gagnebin, “enquanto no passado o ancião que se aproximava da morte era o depositário privilegiado de uma experiência que transmitia aos mais jovens, hoje ele não passa de um velho cujo discurso é inútil” [2]. Aquilo que o ancião tem de mais nobre é justamente aquilo que para a modernidade não vai ter tanto, ou talvez, nenhuma relevância. Essa nobreza que ele possui diz respeito, portanto, as experiências que foram acumuladas ao longo de sua vida, e que agora dependem de uma transmissão para não se perderem na eternidade. Nesse sentido, Benjamin refere:
[...] é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e, sobretudo, sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível. Assim como no interior do agonizante desfilam inúmeras imagens [...], assim o inesquecível aflora de repente em seus gestos e olhares, conferindo a tudo o que lhe diz respeito aquela autoridade que mesmo um pobre-diabo possui ao morrer, para os vivos em seu redor. Na origem da narrativa está essa autoridade. [3]
A relevância da morte para a narrativa se dá, sobretudo, pelo fato dela possibilitar a transmissão dos saberes adquiridos e acumulados ao longo da vida daquele que morre. Para a narrativa, portanto, a morte não significa fim ou ruptura, mas a própria possibilidade de continuidade sem interrupção.
Partindo do princípio de que narrar também pode ser entendido como a arte de “contar”, Jeanne Marie Gagnebin refere que “a arte de contar torna-se cada vez mais rara porque ela parte, fundamentalmente, da transmissão de uma experiência no sentido pleno, cujas condições de realização já não existem mais na sociedade capitalista moderna” [4]. O que se torna aqui passível de percepção é que o espaço para a narrativa passa a ser cada vez mais estreito dentro da estrutura de uma sociedade pautada na busca de riqueza. Uma das formas tradicionais de produção, por exemplo, que vai perder a sua significância é o trabalho artesão. De acordo com Gagnebin,
O artesanato permite, devido ao seu ritmo lento e orgânico, em oposição à rapidez do processo de trabalho industrial [...], por exemplo, uma sedimentação progressiva das diversas experiências e uma palavra unificadora. O ritmo do trabalho se inscreve num tempo mais global, tempo aonde ainda se tinha, justamente, tempo para contar. [5]
Há, neste aspecto, um choque entre a tradição e o mundo moderno. Enquanto na tradição o tempo era fundamental na arte de narrar, na era moderna esse tempo só vai ter sentido se ele se encaixar nas estruturas e parâmetros da modernidade. Ou seja, no mundo moderno, o que dá sentido ao tempo é o fato dele ser consumido muito rapidamente. A narrativa não comunga do tempo moderno justamente pelo fato de que nesse tempo o seu tempo não se encaixa. É nesse aspecto que as histórias e a narrativa correm o risco de cair no esquecimento e se perderem. Como diz Benjamin: “contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas”. [6]


[1] SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo, SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). O cinema e invenção da vida moderna. 2. Ed. Trad. Regina Thompson. São Paulo: Cosac Naif, 2004. P. 96.
[2] BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. Ed. Trad. Paulo Sergio Rounnet. São Paulo: Brasiliense, 1987. P. 10.
[3] Ibid., p. 207-208.
[4] Ibid., p. 10.
[5] Ibid., p. 10-11.
[6] Ibid., p. 205.

CULTURA E CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM PAUL RICOEUR

Este artigo é  a penas parte de um trabalho que apresentei
em uma mesa redonda na ocasião do XI Encontro Humanístico 
da Universidade Federal do Maranhão


Tudo o que aparece, é passível de ser interpretado; tudo o que é passível de ser interpretado foi passível de ser conhecido. O conhecimento não é obra do acaso. Ele nasce da curiosidade inerente ao indivíduo pensante e consciente. Enquanto agente de modificação, transformação e revolução, o conhecimento não é algo dado e acabado, mas construído gradativamente no âmbito de um espaço-tempo onde tudo é alterado e nada permanece. Dada a sua construção, já não se pode mais argumentar em prol da linearidade do ser enquanto sujeito permanente no sentido de não sofrer nenhuma alteração.
No decorrer da história, o conhecimento – fruto da ação humana – foi usado muitas vezes como meio para a aquisição de fins diversos de grupos específicos, ou seres individuais. Como se tivesse uma dupla face, ou uma dupla natureza, o conhecimento fora usado ora para o bem, ora para o mal. Nesse espaço-tempo de construção e reconstrução do conhecimento nascem os costumes e desses a cultura. Aqui, Importa questionar: O que é cultura? Em linhas gerais, portanto, poder-se-ia dizer que cultura é aquilo que sobrou depois do que se esqueceu do resto; é o necessário que fica depois que o contingente se esgota; é a parte, o sumo que fica depois que o todo se esvai. A cultura que é vida que pulsa nos sangue, e que compõe – enquanto conjunto de valores, costumes e práticas – a essência de um povo, pode-se dizer que, em suma, é parte constituinte daquilo que de mais nobre um povo pode ter. Ela, que emerge do interior do homem, enquanto expressão do seu desejo de viver e criar valores, conserva a sua naturalidade e originalidade enquanto mais afastada tiver da cobiça e dos interesses financeiros do mercado. É como se a vida dela residisse nesse distanciamento seu em relação aos negócios. Quando, porém, essa aproximação acontece e ela é coagida a integrar a esfera mercadológica, ela entra, então, num processo de transformação no qual ela perde parcialmente a sua originalidade. Isso se dá, primordialmente, em razão do capitalismo que, buscando seu desenvolvimento e sua disseminação, relativiza todos os valores humanos, sociais e culturais até atingir seu objetivo, a aquisição e acumulação de lucro. Para fazê-lo com mais precisão, uma das primeiras preocupações dele (o capitalismo) é integrar tudo numa esfera global, o que lhe possibilita melhor controlar os fatos e manipular a realidade conforme melhor lhe aprouver.  
Com ênfase nessa problemática, Paul Ricoeur refere que esse problema


[...] é comum tanto às nações altamente industrializadas e regidas por um estado nacional antigo, quanto às nações que saem do desenvolvimento e da independência recente. O problema é este: a humanidade como um corpo único, ingressa numa única civilização planetária que representa ao mesmo tempo um progresso gigantesco para todos e uma tarefa esmagadora de sobrevivência e adaptação da herança cultural a esse quadro novo. Sentimos todos, em graus diferentes e de maneiras variáveis, a tensão entre de um lado a necessidade dessa ascensão e desse progresso e, por outro, a exigência de salvaguardar o patrimônio que herdamos[1].  


Essa civilização dita global surge, tal como se percebe, com uma dupla face, das quais podem surgir diversas consequências. Se por um lado ela é capaz de integrar todos os indivíduos num processo de melhoramento da vida, por exemplo, na medida em que favorece o crescimento em diversos setores sociais, e econômicos, por outro, ela exigi desses mesmos indivíduos a renuncia de diversos valores culturais aos quais ele desfruta enquanto membro de um grupo e que foram construídos e fortificados pelo tempo e pela história. A preocupação de Ricoeur, nesse sentido, parece consistir em buscar uma alternativa ou um meio teórico pelo qual os indivíduos possam desfrutar das prerrogativas do progresso, sem que para isso seja preciso romper com suas fontes ou origens culturais. Daí ser necessário que as culturas passem por um processo de adaptação à nova realidade, o que, de algum modo, já implica em mudanças que deverão ocorrer. Isso significa dizer que as perdas de algumas características da cultura, ou das culturas frente às novas exigências impostas pelo progresso se tornam inevitáveis.
Embora reconheça que perante o fator da universalização cultural – que se observa com mais nitidez nos tempos modernos com o advento da técnica e do progresso – as culturas ficam passíveis de modificações, Ricoeur não manifesta desprezo à modernidade, mas apenas tenta expor o problema que pode se observar a partir do surgimento dela.


Devo dizer de imediato que minha reflexão não se origina de nenhum desprezo em relação à civilização moderna universal; se existe um problema, é justamente porque sofremos a pressão de duas solicitações divergentes, mas igualmente imperiosa.[2]


Essas duas solicitações são, portanto, de um lado, o progresso, que para continuar evoluindo necessita da abertura da cultura para as devidas modificações, e, de outro, a própria cultura que diante da pressão que lhe é imposta procura encontrar caminhos pelos quais possa continuar.
Dada tal situação, o passo seguinte de Ricoeur consiste em caracterizar essa civilização. Em princípio, ele aparenta refutar a concepção de que ela se caracteriza pela técnica. Isto porque a técnica não seria o pano de fundo primeiro através do qual a figura se destaca (figura aqui pode ser entendido como sendo os resultados do progresso). Nesse sentido, diz Ricoeur:


A técnica não é, entretanto, o fato decisivo e fundamental; o centro de difusão da técnica é o próprio espírito científico; é ele que primeiramente unifica a humanidade em nível bastante abstrato, puramente racional, e que, nessa base, dá à civilização humana seu caráter universal.[3]


É do espírito científico que brota a técnica. Ele, entretanto, surgir dentro de um núcleo abstrato que aqui pode ser chamado de racionalidade. A racionalidade, por conseguinte, é uma prerrogativa inalienável da humanidade, ou da espécie humana. Segundo Ricoeur “é ela que arrasta todas as outras manifestações da civilização moderna” [4].
A técnica que nasce do espírito científico não permanece estática, mas desenvolve pouco a pouco num circulo interminável.


Esse desenvolvimento compreende-se como uma retomada do instrumental tradicional a partir das consequências e das aplicações dessa única ciência. Esse instrumental que pertence ao fundo cultural primitivo da humanidade tem por si mesmo uma inércia muito grande; entregue às suas próprias forças, ele tende a sedimentar-se em uma tradição invencível; não é por força de um movimento interno que um instrumental se modifica, mas pelo contragolpe sobre ele exercido pelo conhecimento científico; é pelo pensamento que o instrumental se revoluciona e se transforma em maquinas.[5]


Dois pontos essenciais à compreensão do progresso são enfatizados aqui: primeiro, o conhecimento científico, e, segundo, o surgimento das maquinas. Com essa ultima – que pode ser concebida como decorrente da primeira – um processo de revolução foi desencadeado no seio da sociedade moderna. Essa revolução diz respeito, sobretudo, às transformações ocorridas, e que mudaram o rosto, ou a fisionomia das cidades[6], das sociedades e, por conseguinte, das culturas. Com o advento das maquina tem-se, portanto, o desenvolvimento da indústria. Como o lugar de difusão da indústria foram as grandes cidades, para essas, portanto, passou a se dirigir um contingente bastante elevado de indivíduos. Foi nesse período que teve inicio o processo de massificação das cidades. Como resultado disso, apareceu, então, a dita cultura de massa.
Para fins de reflexão poder-se-ia aqui levantar o seguinte questionamento: Como seria o desenvolvimento, ou o progresso do Estado sem as máquinas? Seria possível haver maquinas sem o conhecimento científico? Certamente a resposta à primeira questão diria que esse progresso seria muito lento, caso houvesse, de fato. Já a reposta à segunda questão seria certamente negativa. Pois, dificilmente haveria máquinas sem um conhecimento científico revolucionador, capaz de questionar, inovar, criar e executar. De qualquer forma, ressalta-se a importância do conhecimento em geral, para dizer que é ele que a tudo revoluciona.
Assim como do conhecimento científico veio à máquina, do conhecimento comum veio as ferramentas primeiras através das quais se deu o relacionamento do homem com a natureza. É válido ressaltar que esse contato homem-natureza se tornou fundamental e contribuiu relevantemente para o desenvolvimento da espécie humana. Desse modo, deve-se reconhecer o papel fundamental que a natureza desenvolve no processo de vivificação, manutenção e permanência da diversidade cultural existente. Nesse sentido, Ricoeur refere:

A humanidade se desenvolve na natureza como um ser artificial, isto é, como um ser que cria todas as suas relações com a natureza por meio de um instrumental sem cessar revolucionado pelo conhecimento científico; o homem é uma espécie de artifício universal; pode-se dizer nesse sentido que as técnicas na medida em que são a retomada dos utensílios tradicionais a partir de uma ciência aplicada, não tem mais pátria.[7]


Diante da mundialização da cultural, percebe-se em princípio, que esse fenômeno parece ter sua origem no uso de ferramentas antigas que foram não somente retomada, mas também aperfeiçoadas pela técnica. É a partir do momento em que se dá a “purificação” desses utensílios tecnicamente, é que Ricoeur vai falar, então, do expatriamento dos mesmos. A impressão que se tem é de que essa universalização que é operada pela técnica, consiste justamente na libertação desses utensílios de sua condição primitiva para serem então propriedade de todos ou um bem de qualquer um independente do lugar onde ele se encontre o que, de algum modo, assemelha-se bastante aos interesses do mercado. Esse fenômeno da civilização universal que pretende suprimir total ou parcialmente os traços, ou costumes das culturas primitivas não passa de uma mascara que esconde os interesses do mercado. Não à toa que autores como Benjamim e Baudelaire já haviam apontado para o progresso e a técnica como responsáveis pelas mazelas das cidades a partir da modernidade.
Paul Ricoeur tem total razão ao dizer que “é graças a esse fenômeno de difusão que podemos ter hoje uma consciência planetária” [8]. Talvez a única falha dele, nesse sentido, reside no fato dele não ter alertado para o fato de que essa consciência planetária não passava de uma maneira pela qual o sistema capitalista buscava também seu desenvolvimento. Entretanto, deve-se reconhecer que talvez não fosse esse seu objetivo.



REFERÊNCIA

 MARX, Karl. ENGELS, Friedric. A ideologia alemã. Trad. Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (coleção clássicos Filosofia Ciências/Sociais)
  
MARTINS, Carlos Benedito. O que é a sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2004. (coleção primeiros passos; 57).
  
RICOEUR, Paul. História e verdade. Trad. F. A. Ribeiro. Rios de Janeiro: Forense, 1968



sábado, 11 de agosto de 2012

A HISTÓRIA COMO MESTRA EM MAQUIAVEL



           A temática da história como mestra no cerne da filosofia política de Maquiavel, indubitavelmente, é de uma magnitude fundamental para a compreensão das lições que, a partir, dela ele pretendera dar aos príncipes, ou ao príncipe [leia-se: Lourenço de Medici].
Em sendo artífice de uma nova teoria política – que pretendera ser diferente de todas as outras que a precedera – Maquiavel se vale da história para essa laboriosa construção. Para um entendimento adequado dessa nova teoria que está sendo proposta cabe ressaltar aqui – dentre tantas outras – duas das preocupações fundamentais de Maquiavel que consistem em, primeiro, compreender as razões pelas quais os homens são levados a agir de determinada forma em determinadas circunstâncias (o que equivale ao que ele chamara de verita efetuale de la cosa, ou seja, “verdade efetiva das coisas”) e, segundo, conferir à política a autonomia que lhe é devida. Cumpre precisar que é a partir da noção de verdade efetiva das coisas – que nada mais é senão os acontecimentos concretos de uma realidade vivida – que Maquiavel caminha no sentido de tornar a política uma ciência autônoma. Nesse sentido, tornar a política uma ciência autônoma consiste nada mais nada menos que numa distinção entre aquilo que é próprio dela e aquilo que não o é, e, consequentemente, promover a sua independência a partir dai. Sendo assim, o primeiro esforço de Maquiavel será dirigido no sentido de ir de encontro com uma tradição secular ancorada, sobretudo, em Platão e Aristóteles. Essa empreitada de Maquiavel contra a tradição se expressa com maior clareza no capítulo XV de O Príncipe onde ele refere a máxima que norteia a construção da sua teoria, conforme se lê:

[...] sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas do que uma imaginação sobre ela. [e tecendo uma crítica direta a Platão, diz] Muitos imaginaram republicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distancia entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruína do que sua preservação; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tanto que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou não disso segundo a necessidade. [1]


Essa passagem possui uma relevância magnífica para a compreensão da teoria política de Maquiavel dado que nela está contida a fórmula maquiaveliana que marca definitivamente o rompimento desse filósofo com a tradição do pensamento político antigo e medieval. E a formula é a verdade efetiva das coisas, a qual consiste em tomar as coisas, ou ainda, considerá-las a partir do que elas são, tal como ela se nos apresentam e se nos aparecem.
Com a noção de “verdade efetiva”, Maquiavel mostra sua contraposição em relação àqueles que se ocupavam de assuntos políticos, no entanto, considerando as coisas a partir daquilo que elas deveriam ser como, por exemplo, Platão com o seu mundo das idéias. Sendo assim, Maquiavel critica esse filósofo mostrando que a preocupação com aquilo que deveria ser – em vez de ser com aquilo que é – nada mais seria do que uma contribuição para a ruína de quem assim procedesse. Com essa reflexão, Maquiavel insinua que o príncipe deve ser profundo observador da vida humana. Deve também, observar as ações dos homens, seus comportamentos e outras coisas conforme se pode ver também em outras partes da obra, como, por exemplo, no capítulo XVIII, onde ele compara o príncipe a um centauro e exemplifica fazendo uma referência aos antigos que, segundo ele, “escreveram que Aquiles e muitos outros príncipes antigos haviam sidos criados por Quíron, o centauro que os guardara sob sua disciplina”. [2] E é precisamente nesse sentido que a história se torna mestra dos homens, sobretudo, daqueles que pretendem alcançar a vitória. Como mestras, a história mostras aos homens de um tempo presente os grandes feitos dos homens do passado. Obviamente, são as ações vitoriosas que mais devem interessar para os príncipes que visão sucesso em seus empreendimentos. É nesse sentido, portanto, que Maquiavel fixa a história como mestra ao dizer no capítulo XIV o que se segue:


[...] deve o príncipe ler as histórias e refletir sobre as ações dos homens excelentes, ver como se comportaram nas guerras, examinar as causas das vitórias e derrotas, afim de poder escapar destas e imitar aquelas. Mas, sobretudo, deve agir como agiram antes alguns homens excelentes que se espelharam no exemplo de outros que, antes deles, haviam sido louvados e glorificados e cujos gestos e ações procuram ter sempre em mente [...]. [3]


Aqui fica claro, portanto, a importância da história e a posição que ela ocupa [leia-se: o privilégio] no seio da teoria política de Maquiavel. E é recorrendo sempre à história que o filósofo inaugura uma nova forma de se pensar a política. Cumpre ressaltar que não é com um intuito de erigir modelos de ação ou conduta que Maquiavel faz um retorno eterno à história, mas sim com o intuito de falar da ação política. Se é possível falar em um modelo de ação em Maquiavel, esse modelo só pode ser a própria história repleta de acontecimentos, mas jamais um homem em particular por mais que tenha sido vitorioso. Pois, os homens sempre mudam tanto interna – em se tratando da palavra que pode facilmente ser quebrada – quanto externamente – tratando-se aqui das influências que os homens sofrem do  meio no qual habitam e que podem interferir no curso de suas ações. O que se deve, portanto, relevar ao se considerar os acontecimentos históricos pelos quais muitos homens foram louvados é, sobretudo, o conjunto das ações que tomaram para saírem vitoriosos. Também sobre a história como mestra e máxima de ação Maquiavel refere

Ouvir dizer que a história é a mestra das nossas ações e máxime [sic] dos príncipes: e o mundo foi sempre, de certo modo, habitado por homens que têm tido sempre as mesmas paixões; e sempre existiu quem serve e quem manda, e quem serve de má vontade e quem serve de bom grado, e quem se rebela e quem se rende. [4]


Como a concepção de natureza humana em Maquiavel é dinâmica, então, ratificando-se o que fora dito mais acima, somente a história permite formular máximas sobre o comportamento humano. Como tal, é ela que ensina aos homens como eles devem agir em determinadas circunstâncias. Sendo o conhecimento da história uma estratégia de ação na política teorizada por Maquiavel, ela (história) se tornara por excelência a base das lições que ele pretendera dar aos príncipes. Em suma, a história é uma verdadeira mestra, dado que com ela se aprende a partir da observação das ações dos grandes homens.

REFERÊNCIAS

AQUINO, João Emiliano Fortaleza de. Memória e consciência histórica. Fortaleza: EdUECE, 2006. (coleção Argentum Nostrum)


LIMONGI, Maria Isabel. O Príncipe. IN: Discutindo textos filosóficos. SESC-PR, 2006.


LOPES, Marcos Antônio. Antimaquiavelismo. In: FILOSOFIA, São Paulo, ano II, n. 23, p. 34-41.


NICOLAU, Maquiavel. O Príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (clássicos)



                                                                                                  


[1] NICOLAU, Maquiavel. O Príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (clássicos), p. 73.
[2] Idem, p. 83.
[3] Idem, p. 71
[4] Maquiavel. Apud. AQUINO, João Emiliano Fortaleza de. Memória e consciência histórica. Fortaleza: EdUECE, 2006. (coleção Argentum Nostrum), p. 67.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PROJETO LEITURA FILÓSOFICA DO PIBID / FILOSOFIA / UFMA


UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA

  







PIBID / CAPES











PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA


SUBPROJETO LEITURA FILOSÓFICA

















São Luis
2012
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“Talvez possamos dizer que a filosofia é igual às outras formas de conhecimento, porque ela é um conjunto de procedimentos da consciência humana que, ordenados de certa forma, procuram produzir respostas, o mais garantidas possíveis, para questões com as quais os seres humanos se deparam em suas vidas, ou para questões que eles se fazem quando se põem a pensar mais atentamente” (LORIERI).

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SUMÁRIO


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 1 IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO

 1.1  Título: Leitura Filosófica

1.2          Membros: Abiasleia Almeida, Denise Araújo, Deysielle Costa das Chagas, Fábio Coimbra, Jardelma Alves de Araújo, José Roberto Carvalho da Silva, Lídia Maria Correia Valois, Priscila de Oliveira Silva, Rafael de Sousa Pinheiro.

1.3  Instituição: Universidade Federal do Maranhão

1.4 Programa: Bolsa de Iniciação à Docência

1.5 Mantenedora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

1.6  Escola campo: Complexo Educacional Governador Edson Lobão (CEGEL)

1.7  Supervisor da escola: Profa. Sâmia Lima

1.8 Coordenador do PIBID/Filosofia: Prof. Dr. Almir Ferreira Junior

1.9  Curso: Filosofia
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 2 INTRODUÇÃO

O PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) é um programa da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) voltado, especificamente, para os cursos de graduação em licenciatura no intuito promover assim a difusão dos seus valores e dignidades enquanto partes constitutivas do processo educacional como no todo. Desse modo, é válido ressaltar que um dos intentos do programa consiste em proporcionar uma convivência maior dos graduandos com o cotidiano da função docente. Igualmente, de forma inovadora e diversificada, visa construir e apresentar propostas estimulantes e transformadoras, que possam – de algum modo (por meio de um processo de interferência) – complementar, ou atender as necessidades do processo ensino-aprendizagem das escolas da rede pública para fins de construção de uma educação diferenciada e que corresponda aos fins da educação básica tal como exposta na LDB 9394/96. Cabe ainda aqui salientar uma das características fundamentais do programa que é a de oferecer aos futuros professores a participação em experiências metodológicas e práticas docentes.
Para fins de produção de melhores resultados, o PIBID/Filosofia da UFMA composto de um total de 20 (vinte) membros (ou bolsita) dividiu-se em dois subgrupos constituídos de 10 membros que desenvolvem atividades em duas escolas da rede publica estadual de educação básica. Os dois subgrupos trabalham atualmente com dois subprojetos versando, um, sobre “Filosofia e Arte” e, outro, sobre “Leitura Filosófica”. É com este ultimo que aqui nos ocuparemos buscando precisar seus detalhas, objetivos, metodologias e fundamentos. Em suma, buscaremos lançar mão de seus pressupostos para mostrar a consistência de sua proposta.
Do ponto de vista dos primeiros resultado, o projeto “Leitura Filosófica” (que é uma proposta do subgrupo dos 10 pibidianos que desenvolve atividades no CEGEL – Colégio Estadual Governador Edson Lobão, em São Luís.) foi pensado no sentido de ser, em princípio, uma proposta de trabalho didático com “Oficina de Leituras Filosóficas”, por meio da análise de obras de filósofos e outros textos em geral, tendo como finalidade sensibilizar os alunos à prática da problematização filosófica. Esta proposta surgiu após observações e aplicação de questionários em sala de aula, com objetivo de analisar a relação dos alunos com as aulas de filosofia dentre outras metas. Então, a partir do diagnóstico percebeu-se que para os alunos daquela escola (CEGEL), as aulas de filosofia parecia algo estranho a sua realidade. Nesse sentido, levantou-se a hipótese de que a razão disso (ou uma das) devia-se à carência de leitura e de reflexão suficiente – por parte dos alunos – para perceber que a filosofia não dista de suas realidades e que, portanto, se bem trabalhada, não deve aparece algo estranho. Nessa perspectiva, o grupo “Leitura Filosófica” decidiu rever e reformular a sua proposta de trabalho. Após varias discussões, a proposta foi amadurecida e, finalmente, ampliada.
Expandida sua meta, o alvo do grupo passou a ser uma proposta de leitura filosófica a cerca de múltiplos elementos como, por exemplo, textos, músicas, vídeos, filmes, etc. Desse modo, a proposta do grupo transcendia uma simples atividade de leitura de textos filosóficos, os quais, descontextualizados, implicam em peso para os alunos que – não tendo vivido ainda uma profunda experiência conceitual com os textos e a história da filosofia – acabam muitas vezes por não entender nada (o que não deixa de ser uma das razões pela quais eles concluem pelo distanciamento entre a filosofia e suas malhas sociais).
Dados esses entraves, uma das primeiras preocupações do grupo “Leitura Filosófica” consistiu em reverter esse quadro. Para isso procurou-se tomar como apoio os pensadores, ou teóricos do ensino da filosofia no ensino médio. Uma das propostas que aqui cabe destacar é a de Silvio Gallo que propõem a organização da aula de filosofia em quatro momentos, sendo que cada um se constitui como pré-requisito para o outro. O primeiro é a sensibilização, o segundo, a problematização, o terceiro a investigação e, o quarto, a conceituação. Pela proposta de Galo, o texto só entra no ultimo momento da aula de filosofia. Ou seja, o texto é (ou deve ser) apenas uma forma de complemento a reflexão e ao aprendizado. Se bem trabalhada, a proposta de Gallo pode fazer aparecer efeitos positivos e imediatos. Cremos que um dos nossos atuais desafios é justamente o de por isso em prática. Para tanto, não podemos perder de vista as metodologias vigentes, isto é, as atuais e mais utilizadas. Igualmente relevante é mantermo-nos a par dos novos resultados dos pesquisadores dessa linha. Certamente é grande o nosso desafio que, nem por isso, abate nossos ânimos.


Afirma-se constantemente que o surgimento da filosofia se dá no espanto, o thaumázein grego. No entanto, como questiona Silvio Gallo e Walter Kohan, esse tipo de afirmativa se torna inadequada numa sociedade espetaculosa, onde o espanto está mais para uma ferramenta de consumo do que para uma “expressão de uma subjetividade privilegiada admirada perante o espetáculo do mundo”.
            Vivemos numa sociedade massificada, marcada pelos avanços tecnológicos e pela atuação da mídia que tem contribuído para transformar o espanto em rotina. Mas o que esse mercado de consumo ainda não conseguiu fazer foi acabar com a insatisfação perante o estado de coisas.

Há uma linha comum na origem do filosofar socrático-platônico e o que leva muitas pessoas à filosofia: algo não está bem na ordem social; há mal-estar e insatisfação diante de nossa vida em sociedade. (GALLO; KOHAN, 2000. p.187)

É nessa insatisfação com a aparente ordem social que está a raiz do filosofar, enquanto ato de pensar a partir de uma inquietação dada. Diante deste aspecto, a filosofia (enquanto produto do espanto e do filosofar) assume um papel transformador à medida que sua construção pressupõe uma atividade de pensamento crítico através do qual tudo é questionado. É nesse ensejo que se faz necessária uma leitura filosófica (leia-se uma leitura crítica) da realidade.
Pensada dentro dos parâmetros pedagógicos do ensino da filosofia no ensino médio, essa prática de leitura filosófica assim pensada vem à luz como uma meta a ser implantada, ou somada às que existem. Ademais, cremos que essa implantação porta um caráter revolucionador à medida que modifica a estrutura de percepção do mundo e da realidade. Desse modo, acreditamos que é justamente nesse aspecto que a proposta de leitura filosófica e quanto reflexão crítica (ou, talvez, sua implantação) se nos mostra aqui como revestida de um desafio a ser superado.
Movidos pelo desejo de colaborar na construção de um processo ensino-aprendizagem voltado à aquisição de um aprendizado consistente, foi que pensamos em um trabalho voltado para a leitura filosófica não só de textos filosóficos, mas também de uma série de elementos que vão da música ao cinema, como forma de interpretação da realidade.


2.1 OBJETIVO GERAL: Desenvolver prática de leituras como experiências de reflexão filosófica.

  2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Ø  Ler textos filosóficos de modo significativo;
Ø  Ler de modo filosófico textos de diferentes estruturas e registros, bem como músicas, filmes, etc;
Ø  Estabelecer a interação entre a leitura filosófica e a realidade do aluno. 


O PIBID tem por finalidade colher resultados relevantes em relação ao processo ensino-aprendizagem em Filosofia no Ensino Médio. Desse modo, esta proposta de trabalho endossa a concepção de que o entendimento da realidade do aluno se constitui (ou pode se constituir) como ponto de partida fundamental em direção à meta que se pretende atingir. Neste sentido, exaltamos e buscamos lançar mão de algumas teorias educacionais. Uma delas é a pedagogia kantiana, a partir da qual percebe-se que educar não é uma ação que convém a todos, mas, especificamente, àqueles que portam aptidões necessárias para entrar na alma do aluno (leia-se – aqui –: o mundo do aluno, o seu contexto histórico existencial, sua realidade, seus conflitos, suas alegrias e suas tristezas). Em outros termos (e em analogia) significa isto que o mundo do aluno é como uma casa de portas fechadas na qual só pode entrar aquele que está em posse da chave que lhe abre as portas.
Além das referidas acima, julgamos também relevante – para fins de enriquecimento da proposta de leitura filosófica – as questões referentes ao ensino de filosofia tal como tratadas por Alejandro Cerletti em sua obra O ensino de filosofia como problema filosófico, na qual discorre sobre a implementação de alguns recursos didáticos planejados no sentido de facilitar a atividade docente. De acordo com ele, “o ponto de início será refletir sobre o problema que está na base: o que se entende por ensinar filosofia [...]”. Cremos que a discussão referente a esse problema está apta a ajudar na elaboração de melhores propostas de trabalho na medida em que potencializa a construção de uma concepção ou de um significado para o ensino de filosofia, neste caso, no ensino médio.
À medida que o PIBID incentiva à docência, consideramos digna de apreciação a concepção de Cerletti segundo a qual, “ensinar implica assumir um compromisso e uma responsabilidade muito grande, [e que] um bom docente será aquele que se situa a altura dessa responsabilidade [...].” e ainda, “[que] os melhores professores são aqueles capazes de ensinar em condições diversas”. Significa isso que terão que repensar sempre “no seu dia a dia os próprios conhecimentos”. Acreditamos essas interpretações contemplam não somente a proposta de leitura filosófica (na medida em que se propõe auxiliar os alunos na interpretação e compreensão de suas realidades), mas também todo o PIBID em seu propósito de incentivo à docência.
Complementarmente, dispomos de outras relevantes referências teóricas, das quais não podemos aqui abrir mão. Entre estas destacamos Walter Kohan (já referido), Marilena Chauí e Silvio Gallo (também já referido) dentre outros. Trata-se de estudiosos da área da educação, indubitavelmente, aptos a contribuir para o enriquecimento do projeto Leitura Filosófica, na medida em que pretende instigar o aluno a fazer uma leitura crítica da realidade que lhe circunda. A leitura crítica (ou filosófica) aqui referida não se trata apenas de uma leitura de simples textos. É, além disso, ler tudo que lhe demonstra sentido, como por exemplo, um filme, uma imagem, uma situação, uma história ou estória, uma música, e assim por diante. Não mantemos, portanto, o foco na mera explicação de conteúdos, mas sim no estabelecimento de uma relação destes com a realidade dos alunos. Nesse sentido, Kohan (2009, p. 24) – apontando Sócrates como modelo de professor de filosofia – refere que “[...] este não concebe a filosofia como um saber, mas como uma relação com o saber, com base na qual uma série de práticas pode desenvolver-se”.
Dado que a proposta de leitura filosófica constitui – em sua essência – um esforço empreendido no sentido de superar o distanciamento que há entre a filosofia e a realidade dos alunos (tal como diagnosticado), aportar-nos-emos em alguns pressupostos hermenêuticos (especificamente ricoeurianos) para sustentarmos a idéia de que é na superação dessa distância – que medeia o contexto do autor e a do leitor – que o texto escrito a tanto tempo pode ter sentido para o aluno. Desse modo, cumpre ressaltar que a proposta de leitura filosófica não exclui a atividade interpretativa uma vez que a leitura nunca deixa de ser uma forma de interpreção. E, sendo assim, o projeto vale-se também do método hermenêutico.
É válido lembrar que o leitor – ao entrar em contato com o texto – traz consigo suas experiências, vivências, convicções, enfim, sua bagagem intelectual, que lhe servirá de base para a compreensão da mensagem. Em contrapartida, o autor também imprimiu no texto suas vivencias. Nessa perspectiva, ler é nada mais que um empreendimento no intuito de aproximar dois mundos diferentes em que um não anula o outro, como esclarece Roger Chartier (1996, p. 78): “[ler é] antes de mais nada dá a leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora e não anulá-la ao texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse inscrever-se no espírito de seus leitores”. Cabe ressaltar que estar no mundo é estar submetido a uma praticar de leitura que se faz constante. Pois, a cada instante é necessário refletir, adquirir novas ideias, reforçar ou abandonar convicções, o que fazemos tanto pelo uso da razão quanto da imaginação.
Cumpre destacar que em nossa proposta de leitura filosófica não julgamos fidedigna e nem relevante a necessidade de doutrinar os alunos com filosofias. Antes, apraz-nos a ideia de auxiliá-los na busca, ou na construção, daquilo que – em sentido próprio – denominamos autonomia. E isto, sem dúvida, confere sentido da filosofia na prática educacional.
Para fins de esclarecimento, convém precisar que o que chamamos aqui de autonomia é, para melhor compreensão, o caráter voluntário e participativo do aluno. A participação do aluno é um dos grandes desafios da “Leitura Filosófica”, é uma constante em nossas atividades, e por isso precisamos situar o aluno no seu lugar enquanto indivíduo que tem algo a dizer, para – a partir de suas experiências – podermos dar início ao processo de reflexão. E isso só é possível num ambiente democrático, onde não há inibição de nenhuma das partes.
Desse modo o aluno precisa estar livre para dizer “não”, numa postura negativa ao senso comum. Esta postura “negativa” é denominada por CHAUÍ (2000) de primeira fase da postura crítica filosófica; a segunda postura é a chamada “positiva”, isto é, uma indagação sobre o que são as coisas, os fatos, os valores, etc. Nessa perspectiva, Chauí (2000, p. 9) refere:

Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos deatitude filosófica. (grifo da autora).

É valido dizer que o que se busca com este projeto de Leitura Filosófica é muito mais que aquilo que aqui poderíamos chamar de uma simples decodificação de signos e interpretações de mensagens. Para alem disso, pretende-se uma leitura de mundo, ou seja, de tudo aquilo que está direta ou indiretamente relacionado à vida cotidiana. Assim, a prática de leitura que propomos aqui constitui um projeto audacioso na medida em que – transcendendo os textos – se propõe a ser também uma proposta de leitura de poemas, de um quadro, uma ilustração dentre outros. Desse modo, o que se busca é nada mais que a criação de circunstâncias favoráveis para que o aluno se dê conta da relevância da filosofia ao entendimento do seu cotidiano e de si à medida que lhe possibilita uma auto compreensão enquanto individuo singular e social. Esta leitura pode se dar tanto na escola, quanto em casa vendo o noticiário, lendo uma poesia, assistindo a um filme, ou escutando uma musica. É nesse contexto que se faz possível uma leitura critica da realidade por parte do aluno na medida em que pensa sobre ela. Será justamente nesse aspecto que o projeto Leitura Filosófica cumprirá os objetivos e metas a que se propôs perseguir. 
Em suma, vale aqui referenciar Kant: “não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. E ainda, “os alunos devem ir à escola não para aprender pensamentos dos outros, mas para aprender a pensar”. Certos de que um dos objetivos da educação é formar o cidadão para a vida em sociedade, mover-nos-emos pelo princípio de que a filosofia – em sendo aqui uma leitura de mundo – tem muito a contribuir no que a isso diz respeito. Destarte, percebe-se que o conceito de leitura – tal como apresentado – é amplo e não se restringe a um determinado ato.

 6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Tomar-se-á como ponto de partida, uma pesquisa bibliográfica e leitura sistemática, de autores que trabalhem a questão da “Leitura Filosófica”, bem como, de material didático e quaisquer outros pertinentes ao tema proposto. Nesse sentido, as estratégias de pesquisa se desenvolverão, em princípio, com base em livros, artigos, material da internet, monografias, e outros documentos relacionados a essa temática.
Posteriormente, a metodologia consistirá em uma intervenção por meio da aplicação de textos, músicas, dinâmicas, vídeos e ilustrações que estejam sempre relacionados com o conteúdo de filosofia a ser trabalhado em sala de aula.
Através destes aplicativos, buscaremos artifícios que possam levar os alunos ao exercício reflexivo e prático da leitura filosófica a partir de uma compreensão transformadora da atividade do pensar para além da sala de aula, ou seja, praticar a leitura que os façam perceber elementos que estejam diretamente no seu próprio convívio social. Desse modo, para fins de enriquecimento metodológico, tomaremos como apoio duas etapas iniciais do método do filósofo educador Sílvio Gallo, a saber, a sensibilização (momento essencial na atividade do pensar filosófico e que prepara os alunos para a etapa posterior) e aproblematização (momento em que se objetiva transformar o tema da aula em problema, no intuito de promover a participação dos alunos a partir de questionamentos por eles suscitados). Nossa estratégia – ao lançar mão desses elementos – será promover uma articulação entre os conteúdos trabalhados em sala e o contexto existencial dos alunos para que eles vejam que a filosofia não é algo tão distante assim de suas realidades.
Cumpre ressaltar que o método de estudo utilizado durante o desenvolvimento desse projeto pode ser denominado de método hermenêutico. Consiste este na interpretação de obras (textos, músicas, dinâmicas, vídeos e ilustrações) escolhidas de acordo com as questões propostas, as quais venham fundamentar o tema e elucidar as questões abordadas ao longo do desenvolvimento do mesmo.


Centro de Ensino Governador Edson Lobão – CEGEL
Professora (Supervisora): Sâmia Lima
Plano de Curso – Filosofia - 1° Ano matutino


1.    Atitude Filosófica;
2.    O que é Filosofia;
3.    A origem da Filosofia;
4.    Períodos e campos de investigação da filosofia grega;
5.    Principais períodos da História da Filosofia;
6.    Aspectos da Filosofia Contemporânea;

7.    Os vários sentidos da palavra;
8.    A atividade racional e suas modalidades;
9.    A razão: inata ou adquirida?
10. A razão na Filosofia Contemporânea;
11. Ignorância e verdade;
12. Buscando a verdade.

 REFERÊNCIAS
  
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

__________. Práticas da Leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

_________. Os livros resistirão às tecnologias digitais.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: História e grandes temas. São Paulo: Saraiva 2006.

FABBRINI, Ricardo Nascimento. O ensino de filosofia: a leitura e o acontecimento.

GADAMER, H. G. Arte y Verdad de la Palabra. Vilard: Paidos Iberica, 1998.

GALLO, Sívio; KOHAN, W. Omar (org.). Filosofia no ensino médio. Petrópolis: Vozes, 2000.  

GOMES, Erick Vinicius Santos. A educação na ética kantiana. In: Filosofia: Ciência & Vida, nº 32, ano 2009, p. 8-15.

LORIERI, Marcos Antônio. Filosofia no ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2002.

RICOEUR, Paul. O Conflito das Interpretações: ensaios de hermenêutica.
Lisboa: Rés Editora, 1988.

SALOMON Marlon Jeison. Roger Chartier e a Atualidade da Ciência.

SILVEIRA, Renê J. T; GOTO Roberto (orgs). Filosofia no Ensino Médio: temas, problemas e propostas. São Paulo: Loyola, 2007. (Coleção filosofar é preciso)

SOARES, Magda. NOVAS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA: letramento na cibercultura.

SOUZA, Thaís, Rodrigues de. O ensino de filosofia e a viabilidade do uso de textos filosóficos no nível médio.

STRIQUER, Marilúcia dos Santos Domingos. O MITA DA CAVERNA: uma leitura semiótica proposta a alunos do ensino médio.

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Os autores


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ABIASLEIA COSTA ALMEIDA
Graduanda do sétimo período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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DENISE ARAÚJO
Graduanda do oitavo período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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DEYSIELLE COSTA DAS CHAGAS
Graduanda do quarto período em Filosofia pela universidade Federal do Maranhão

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FÁBIO COIMBRA
Graduando do sétimo período (fatorial) em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
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JARDELMA ALVES DE ARAÚJO
Graduanda do oitavo período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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JOSÉ ROBERTO CARVALHO DA SILVA
Graduando do quarto período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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LÍDIA MARIA CORREIA VALOIS
Graduanda do oitavo período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão; é bolsista do PIBIC e bolsista voluntária do PIBID
E-mail: lidiavalois@hotmail.com

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NATHALIA SALAZAR
Graduanda do oitavo período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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PRISCILA DE OLIVEIRA SILVA
Graduanda do quarto período em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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RAFAEL DE SOUSA PINHEIRO
Graduando do sexto período (fatorial) em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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