sábado, 26 de junho de 2010

RESUMO DO CAPÍTULO I DO LIVRO "SOCIOLOGIA DE MAX WEBER"

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 Cap. I: AS VISÕES DO MUNDO (resumo)

O ponto central deste capítulo é a critica que o autor faz ao plano de uma ciência verdadeira e que, como tal, se pretenda absoluta e, desse modo, universal. Para fins de elucidação, poder-se-ia trazer a lume o seguinte questionamento: é possível falar de uma verdade definitiva no plano da filosofia, ou até mesmo da própria ciência?
Na constituição do pensamento sociológico, Max Weber é, sem duvida, um clássico digno de destaque. Discorrer a cerca do seu pensamento é uma tarefa que requer muito cuidado e dedicação, por parte do investigador, afim de que não se incorra em erros absurdos. Cumpre ressaltar que o conhecimento dos acontecimentos do contexto no qual vivera o autor é de suprema relevância para um conhecimento mais solido do mesmo.
No livro intitulado “Sociologia de Max Weber”, Julien Freund, com muita precisão em suas palavras, vem trazer magníficas contribuições para que o leitor possa entender, de fato, algumas noções, conceitos e discussões próprias do pensamento weberiano no que diz respeito à sua sociologia.
No primeiro capitulo deste livro, cujo título se lê “A visão do mundo”, e que aqui está sendo analisado minuciosamente, o autor, logo no início, apresenta uma das características do pensamento de Weber, a qual se divide em duas expressões, a saber, dispersão e antagonismo. A primeira que concerne aos campos da metodologia da ciência e da própria filosofia, tem como objetivo ressaltar a importância do “periférico” na medida em que não visa à centralização de um núcleo. Já o segundo, por sua vez, repousa a sua essência na irredutibilidade a que comporta frente a qualquer sistema. É essa reflexão inicial sobre a dispersão e o antagonismo, que vai dimensionar todo o capítulo e, portanto, estando na base de, praticamente, todas as outras reflexões, direta ou indiretamente.
Uma leitura superficial, sem aprofundamento, poderá conduzir o leitor a pensar Weber como um anti-sistemático, isto é, alguém que conduz o seu pensamento para uma determinada direção desorganizadamente sem se dá o trabalho de sistematizá-lo afim de atingir melhores resultados. Na perspectiva de evitar que o leitor incorra nesse erro, Julien Freund refere que Weber
Não era um adversário incondicional da sistematização de modo geral, mas considerava que no estado atual da ciência, exposta a incessantes correções, modificações e reviravoltas por força do caráter indefinido da pesquisa como tal, seria impossível edificar sistemas definitivos. (FREUND, 1980, p. 10).
O autor quer mostrar, portanto, a maneira como Weber analisa a ciência levando em conta o processo de mutação constante ao qual ela está o tempo todo exposta. Devido a essa mudança linear, se torna impossível estabelecer um sistema padrão universal que venha a ser impassível de revogabilidade. Daí se segue que devido a essa incompletude da ciência todo sistema não passa de um ponto de vista, o que tem por conseqüência a impossibilidade de generalizá-lo como modelo universal válido para todos os ramos do conhecimento. Na verdade essa tentativa de universalidade, caso seja atingida, o autor chega a classificá-las como anti-científicas, justamente por que, como ciência, aquilo que hoje tem certa validade, amanhã essa validade pode não ter tanta relevância assim, sendo, portanto, passível de ser ultrapassado.
Outro ponto importante deste capítulo, segundo o autor, diz respeito à separação que Weber estabelece entre valor e fato, que se torna importante, sobretudo, no campo das ciências humanas. Essa diferenciação, cabe ressaltar, objetiva em primeiro plano a eliminação de possíveis ambigüidades. O autor refere que o sentido da ação, no que diz respeito à pesquisa cientifica, reside justamente nos obstáculos que são propostos pela própria pesquisa, ou trabalho científico. Desse modo, diga-se de passagem, a validade do valor não pode ser determinada pela objetividade científica. A razão disso decorre principalmente do fato de que muitas vezes as escolhas que fazemos frente aos valores resultam de crenças e convicções que de certo modo são indispensáveis, inseparáveis e, em alguns casos, chegam até mesmo a ser intrínsecas à natureza do homem. Cumpre lembrar, no entanto que, se por um lado, as escolhas se relacionam com as crenças que se tem, ou se julga ter, por outro, não se pode negar a parcela de contribuição que a ciência da ao homem no que refere à compreensão dessas próprias escolhas. Percebe-se que ela não determina a escolha mas ajuda para que a mesma seja compreendida. Uma passagem bem interessante que traz o entendimento dos antagonismos e dos valores que, todavia, são diversos, é quando Freund diz que “à multiplicidade e ao antagonismo dos valores e dos fins correspondem à multiplicidade e o antagonismo dos pontos de vista sob os quais um fenômeno se deixa explicar cientificamente” (FREUND, 1980, P 11). Aqui o autor faz perceber que Weber, de algum modo está estabelecendo um paralelo, ou uma relação entre teoria e prática, entre ciência e ação, de modo que muitos dos desajustes que dá segunda podem advir, a primeira pode evitá-los.
Refletindo sobre a realidade propriamente dita, o autor afirma que “a realidade é incomensurável ao poder do nosso entendimento, de maneira que este nunca cessou de explorar os acontecimentos” (FREUND, 1980, p 12). Ou seja, a realidade não pode ser medida pelo entendimento justamente pela razão de que ele,sendo limitado, não favorece ao homem levar em conta a totalidade da realidade no momento do agir. Embora o entendimento não reproduza a realidade do ponto de vista daquilo que já está dado, ele pode muito bem fazê-lo por força dos conceitos. Daí o autor refere a distancia que há entre o conceito e o real, que segundo ele, é infinita, ou seja, jamais será suprimida. Sendo assim, embora a busca pelo conhecimento traga a necessidade do uso de conceitos, mesmo assim, esses ainda continuam inaptos à reprodução do real em sua integridade. Desse modo, não se pode concluir como verdadeira qualquer proposição que venha a afirmar conveniente a generalização de um método no estudo da sociologia, ou das ciências humanas. Quanto a isso, o autor refere que
Weber se opõe incisivamente a todos os sistemas, sejam eles classificadores, dialéticos ou outros, os quais depois de construírem uma teia de conceitos tão densa quanto possível, acreditam estar em condição de daí extrair a realidade (FREUND, 1980, p 13).
Essa contraposição de Weber a esses sistemas se dá, sobretudo, pelo fato de que esses não passam de pontos de vista. Ou seja, são como que ângulos a partir dos quais se pode ter apenas uma visão do mundo que, por cima de tudo, ainda é fragmentada e limitada pelas barreiras do mundo empírico.
No item dois, o autor vai chamar a atenção para dois aspectos, por ele observados, nas sociologias do sec. XIX. O primeiro é o seu caráter doutrinário, e o segundo seu caráter reformador. Ambos emergem, sobretudo, em detrimento do científico, segundo o autor. E isso se percebe em, autores como Marx, Comte e Spencer. Dado esse momento, Freund refere que foi com Durkheim que se lançaram as bases para o surgimento de uma sociologia, que também foi entendida como ciência positiva. Nisso residiria, portanto, o mérito de Durkheim.
Um ponto que merece destaque é quando o autor cita Weber como seno “o primeiro a ter implantado na prática a sociologia sobre bases rigorosamente cientificas” (FREUND, 1980, p 15). Ou seja, Weber foi o primeiro a fazer uso de uma teoria que Durkheim foi, por excelência, o iniciador. O autor destaca que
O certo é que no ano 1895 em que ele (Durkheim) publica as “Regras do método sociológico", Weber era professor na universidade de Fribourg-en-Brisgau e se ocupava muito mais de problemas de economia política e de política social do que sociológica.(FREUND, 1980, p. 14).
Notemos, portanto, que de início Weber está preocupado com outras questões, ao passo que Durkheim já era um teórico da sociologia.
No item três, o autor à luz de Weber, vai definir a idéia de que, dada a sua racionalização, o mundo perde, portanto, a sua sacralidade, sobretudo porque esse caráter racional da (que se constitui como uma espécie de aprimoramento da ciência, e que era própria da civilização ocidental) consistia em uma nova forma de organizar a vida levando em conta a relação do homem com o meio que o circunda. Diante dessa inovação introduzida pela racionalização, o autor refere que ela ainda não estava apta a representar um progresso, principalmente pelo fato de que ela dava somente o conhecimento das coisas, mas nunca o conhecimento das razões pelas quais essas mesmas coisas vinham a funcionar. Freund não nega o progresso, entretanto, reconhece que ele não está em toda parte, mas somente naquelas cujas ordens obedecem às leis. Ou seja, o progresso encontra no cumprimento das leis a sua grande dependência.
No item quatro, que trata do antagonismo dos valores, há uma sucinta reflexão sobre a irracionalidade, já que com a civilização ocidental o mundo se colocou sobre o trono da racionalização. O autor parte do princípio de que com o crescimento da racionalização, o irracional reforça-se ainda mais. Ele diz que essa é “uma idéia mestra que, embora Weber não tenha manifestado em nenhuma ocasião com nitidez, domina toda a sua filosofia” (FREUND, 1980, p. 24).
Freund faz perceber que duas são as fontes de onde decorre a irracionalidade. “A primeira é a própria vida humana em sua dimensão afetiva, e a segunda é a relação do homem como poder” (cf. p. 25). Ele defende a idéia de que é a partir do choque entre os diversos valores que a irracionalidade se sustenta e permanece. Esse choque é também reflexo das escolhas feitas frente aos valores, as quais também são geradoras de conflitos. O autor conclui pela insuperabilidade dos antagonismos dos valores, ressaltando que eles podem ser encontrados em todos os níveis da atividade humana.        

REFERÊNCIA
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980.












               

RESUMO DO CAPÍTULO II DO LIVRO "SOCIOLOGIA DE MAX WEBER"


Cap. II: A METODOLOGIA (resumo)

Após ter discutido no primeiro capítulo sobre “As visões do mundo”, onde teceu uma crítica à pretensão de uma ciência absoluta e universal, Julien Freund discorre neste segundo capítulo sobre o problema referente à metodologia das ciências. Para fins de enriquecimento dessa reflexão, poder-se-ia, levantar aqui alguns questionamentos tais como: existe um método imutável capaz de suprir todas as necessidades da ciência, no que diz respeito à busca do conhecimento? Se há uma diversidade de métodos, em vista das inúmeras ciências que existem, é possível tomar o método de uma como modelo para outra? Que método permite conhecer melhor o real?
Em princípio cumpre precisar que neste capítulo a reflexão de Freund se dá em seis momentos específicos de reflexão. No primeiro ele vai discutir sobre o “método naturalístico e o método histórico”; no segundo, sobre “quantificações e experiências vividas”, no terceiro, ele trata da “causalidade, relação com os valores e interpretação”, no quarto, ele reflete sobre o “tipo ideal”, no quinto, “possibilidades objetividade e causa adequada”, e, por fim, no sexto, vai abordar a “neutralidade axiológica”.
O item inicial apresenta como ponto central a contraposição de Max Webber em relação aos autores que preconizam a possibilidade de haver um “fundamento único para as ciências humanas”. O ponto de partida dessa reflexão weberiana

Tem por base a disputa metodológica que dividiu os universitários alemães ao apagar das luzes do século XIX. [...]. Naturalmente, o debate logo se converteu em uma discussão sobre a classificação das ciências e nesse particular, os partidários da autonomia das ciências humanas tomaram por sua vez partido contrário (FREUND, 1980, p. 32).

Para aqueles que cogitavam ser una a realidade, tais como Wildelband e Rickert, conforme refere o autor, o método seria o elemento primordial na classificação das ciências, por que a partir dele é que se poderia distinguir uma ciência da outra. Para esses autores, sendo uma só a realidade, o estudo dela, entretanto, se daria por vias diversas, donde se seguiria a diversidade metodológica, que como tal, constitui o principio da classificação. Partindo do princípio de que “o sábio procura conhecer as relações gerais, ou então os fenômenos em sua singularidade” (FREUND, 1980, p. 33), os dois autores já citados concebem, em principio, a existência de dois métodos específicos, a saber, o método generalizante e o individualizante. Um exemplo de generalização que aqui cabe lembrar são as próprias leis de natureza donde dada uma causa segue-se necessariamente um efeito, o que se entende melhor na expressão “princípio da causalidade”. Causalidade, nesse contexto, pode ser interpretada como uma razão de ser, ou razão de conhecer. Freund refere que

Tomando a si a distinção entre o método generalizante e o método individualizante, Webber não aceita as conclusões de Wildelband e Rickert, particularmente a divisão das ciências que eles fundamentam sobre tal diferença metodológica. Nada mais contestável do que reservar um desses métodos a uma série de ciências e outras na outra serie. Ao contrário, qualquer ciência utiliza, ao saber das circunstâncias, um e outro desses caminhos. (FREUND, 1980, p. 33).

É fácil perceber, portanto, que a contraposição de Webber em relação a esses autores se da, sobretudo, a partir de dois princípios. O primeiro é que no pensamento de Webber, de acordo com Freund, há uma não aceitação da divisão, ou classificação da ciência a partir do método, ou da diversidade deste. O segundo, por sua vez, é decorrente do anterior, ou seja, o evoluir da pesquisa pode trazer gradativamente a necessidade de mudar de método, donde se conclui que a ciência, no itinerário para o alcance de seus fins e objetivos, pode beber de diversas fontes metodológicas. Em outros termos, isso significa dizer que ela pode usar de diversos métodos, especialmente, quando aquele que, em princípio aparecia como excelente, já não cumpre mais com suas funções e, desse modo, pouco contribui para que a ciência atinja seu objetivo que a busca do conhecimento. De acordo com o autor “é falso dizer que na prática as ciências da natureza utilizam exclusivamente o método naturalístico ou generalizante, e as da cultura o processo histórico e individualizante” (FREUND, 1980, p. 33), o que, obviamente, corrobora o que foi dito acima. O autor considera que não há razões para privilegiar um método em detrimento de outro. É nessa perspectiva que ele afirma que “sendo o método uma técnica do conhecimento, é comandado pela lei de toda técnica, ou seja, a eficácia” (FREUND, 1980, p. 34), e conclui pela não existência de um método universal.
Uma referencia relevante que Freund faz ao pensamento de Webber diz respeito à infinitude do real que, justamente por ser infinito, se torna inesgotável. Ao contrario da realidade, o conhecimento humano, por sua vez, é sempre finito e se esgota em dado limite. É, portanto, em razão dessa limitação do conhecimento que se adquirir do real que novos avanços na ciência se tornam possível. Caso contrário, ela pararia no espaço-tempo e se transformaria em dogma deixando, desse modo, de ser ciência. Cumpre ressaltar que o conhecimento científico, pelas razões já dadas acima, não esta isento de criticas, as quais contribuem, indubitavelmente, para o progresso da ciência. Sendo assim, já não se pode concluir pela existência de uma via direta que conduza a verdade definitiva. Isso, obviamente, só seria possível quando, de uma mutação radical, o humano se transformasse em divino. A crítica ao conhecimento científico traz implícita a noção de que, no futuro, todo o conhecimento da ciência pode ser negado. Destarte, é essa a razão pela qual o homem se encontra impossibilitado de esgotar todos os pontos de vista, conforme refere o autor. Logo, não há como afirmar a existência de um fundamento único para a ciência. Insistir nesse investimento seria, portanto, afastar-se daquilo que constitui o pano de fundo da ciência propriamente dita, a saber, a sua capacidade de mudar a si mesma. Na ciência – diga-se de passagem – a única coisa que permanece é a mudança.  
No segundo item, onde se discute sobre a “quantificação e experiências vividas”, um ponto importante que se pode destacar é a relação estabelecida entre o conhecimento e a realidade. Essa relação é mediada, pela conceitualização daquilo que está dado em uma dada realidade. A elaboração de conceitos se torna, assim, fundamental na ciência na medida em que exprime tanto uma realidade física, quanto social. Conceituar significa, aqui, restringir os fenômenos da realidade física o que, do ponto de vista lógico, facilita a compreensão. Desse modo, pode-se dizer que a conceitualização é, sem dúvida, uma das vertentes principais pela qual jorra o conhecimento cientifico.
Uma reflexão relevante que Freund traz a lume acerca de Webber é quando diz que “o fim da ciência [...] consiste na verdade para todos os que querem a verdade”. (FREUND, 1980, p. 35). Em outras palavras, isso equivale a falar que a ciência também busca a perfeição das coisas. O grande problema que pode ser levantado consiste em saber se realmente isso é possível ou não. A pergunta que quanto a isso se pode fazer é: caso a ciência encontre a perfeição – que se poderia, aqui, chamar de verdade – ela continuaria sendo ciência? De fato, como foi visto em momentos anteriores, a resposta a essa interrogação seria negativa.
Outro ponto que merece destaque nesse segundo item é a firmação de que “a experiência vivida nunca é como tal um conhecimento” (FREUND, 1980, p. 37). A razão disso seria o fato de que a experiência vivida vai está atrelada mais à questão do sensível, ou seja, da intuição. Nessa perspectiva, Freund refere que

Webber objeta que a intuição pertence a esfera do sentimento e que como tal, não é um conhecimento científico, pois este exige não somente uma elaboração e uma construção conceitual mas também, conceitos rigorosos. De maneia alguma o vago do vivido poderia substituí-lo, já que é pessoal, incomunicável, e refratário a compreensão. (FREUND, 1980, p. 37).

Sendo assim, o autor, com ênfase em Webber, refuta definitivamente a concepção dos teóricos que pretendiam estabelecer a intuição como fundamento da ciência. O que torna, portanto, essa pretensão inviável é, sobretudo, o fato de que ela carece daqueles elementos fundamentais pelos quais um conhecimento pode ser declarado cientifico.  
No item três, que discorre, especificamente, sobre a “causalidade, a relação com os valores e a interpretação”, o autor, centrado em Webber, objetiva essencialmente retificar, em princípio, todo o mal-entendido que se gerou a partir do emprego errôneo do princípio da causalidade. De acordo com ele

Uns identificam, por exemplo, causalidade e legalidade, no sentido em que só a condição capaz de ser subordinada a uma lei mereceria ser chamada causa. É um erro, diz Webber. Um efeito acidental depende tanto de causas quanto um fenômeno dito necessário, e no fundo, todas as coisas que se produzem no mundo deviam produzir-se da maneira como se manifestam e não de outra. (FREUND, 1980, p. 39-40)

Com isso, o autor está querendo mostra que fenomenologicamente as ações pelas quais as coisas aparecem são contrarias àquelas pelas quais elas se produzem. Desse modo, aquilo que em um dado momento aparece como causa, pode, em um momento anterior, ter aparecido como efeito e vive-versa. Nesse sentido, ele afirma que “tudo que é produzido, produz, por sua vez, uma ação” (FREUND, 1980, p. 40). Percebe-se, portanto, que em Webber, sejam quais forem os fenômenos (acidentais ou necessários) sempre haverá uma causa. Webber não rejeita, portanto, o princípio da causalidade. Resta, portanto, saber se essa causalidade de que ele trata tem alguma coisa haver com aquela de que trata as ciências da natureza.
No quarto item Freund vai tratar do “tipo ideal”, que segundo ele, foi uma noção criada por Webber “para dar aos conceitos utilizados pelo método um rigor suficiente” (FREUND, 1980, p. 48). O tipo ideal conforme refere o autor “designa o conjuntos dos conceitos que o especialista das ciências humanas constrói unicamente para os fins da pesquisa” (FREUND, 1980, p. 48). O tipo ideal é uma espécie de suporte a partir do qual uma abordagem da realidade – tanto por parte do sociólogo, quanto do historiador – se torna possível. Entretanto, ele (o tipo ideal) “não confere ainda rigor conceitual à questão estudada” (FREUND, 1980, p. 49). Desse modo, não se pode afirmar que o tipo ideal é suficiente para tornar um determinado fato da realidade um fato dito científico. A construção do tipo ideal parece seguir uma espécie de regra no sentido de que ele só pode ser formulado a partir da sistematização dos traços característicos e típicos de um dado fato ao qual se pretende estudar. É importante ressaltar que o tipo ideal usado no princípio de uma pesquisa pode ser suprimido ou substituído por outro que seja melhor e que corresponda melhor às expectativas do pesquisador. A grandeza do tipo ideal residi, sobretudo, no fato de que ele contribuir positivamente para eliminação da caoticidade da pesquisa, o que conseqüentemente favorece a coerência. O próprio ato da sua substituição quando ele se mostra inconveniente já é um exemplo dessa coerência. Em suma, o tipo ideal pode ser sucintamente definido como um meio que favorece ao pesquisador um conhecimento melhor do caminho a que segue.
No quinto item sub-intitulado “possibilidade objetiva e causa adequada”, o autor afirmar que “a objetividade se fundamenta, pois, em nosso saber positivo das condições existentes” (FREUND, 1980, p. 57). Essa concepção do autor se torna fundamental na medida em que corrobora o que foi dito acima sobre a formulação do tipo ideal.
No sexto e ultimo item que trata da “neutralidade axiológica”, o autor assegura que “foi a propósito da neutralidade axiológica que Webber divergiu, por vezes violentamente, da maioria dos especialistas da metodologia do seu tempo” (FREUND, 1980, p. 61). Nesse ponto, o autor ainda mostra que Webber não aceita que se apresente como verdades científicas convicções pessoais e subjetivas, sobretudo para que não se confunda as observações empíricas, passíveis de objeção do ponto de vista científico, com o julgamento de valor.  

Referência
FREUND, Julien. Sociologia de Max Webber. Trad. Luis Claudio de Castro e costa. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980.           

RESUMO DO CAPÍTULO III DO LIVRO "SOCIOLOGIA DE MAX WEBER"


Cap. III: A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA (resumo)

Resumo dos itens I (a noção de sociologia compreensiva) e II (a compreensão) do capítulo 3

Depois de ter discorrido sobre “A metodologia” no segundo capítulo, onde enfatizou, em sua reflexão, especificamente, os métodos generalizante e individualizante, respectivamente correspondentes aos métodos naturalista e histórico, o autor, em linearidade ao seu raciocínio, aborda neste terceiro capítulo (cujo título lê-se “A Sociologia compreensiva”) a problemática referente à compreensão da atividade social. Dos seis itens que estruturam o presente capítulo, dois são tomados aqui, especificamente, onde serão analisados minuciosamente. No primeiro item – sub-intitulado “A noção de sociologia compreensiva” –, em linhas gerais, Freund faz uma reflexão em dois momentos específicos do seu raciocínio. No primeiro, ele trata de caracterizar a Sociologia a fim de poder defini-la com mais precisão. Já no segundo momento ele vai definir o que é a compreensão, como ela é feita, para que ela serve etc.
Em princípio, o autor mostra que “a definição que comumente se dá de Sociologia é a seguinte: é a ciência dos fatos sociais. As dificuldades e as divergências e confusões se produzem quando se trata de precisar a noção de fato social (FREUND, 1980, p. 67).
Nessa concepção, vê-se que o cenário de realização da Sociologia é a própria sociedade que, por sua vez, figura como o grande palco da ação humana, das relações sociais, dos conflitos e de todos os acontecimentos e ações provenientes das ações do homem. É nessa perspectiva que o autor vai dizer que “denominamos fatos sociais o conjuntos das estruturas da sociedade, das instituições e dos costumes, das crenças coletivas etc.” (FREUND, 1980, p. 67). Desse modo, pode-se dizer que o fato social é todo aquele devir, ou aquela dinâmica social indissoluvelmente atrelada à ação humana.
Um ponto relevante levantado pelo autor é a contraposição de Weber em relação ao Durkheim em se tratando da divisão da sociologia. De acordo com Freund, em Durkheim

A Sociologia se divide em duas partes principais: de um lado, a morfologia social, que tem por fim descrever as estruturas com base em seu condicionamento geográfico, ecológico, demográfico, econômico etc. e de outro lado, a fisiologia social, cujo objetivo é o estudo do funcionamento dessas estruturas para descobrir as leis de sua evolução. (FREUND, 1980, p. 67).

Perceber-se, portanto, no pensamento de Durkheim, certa possibilidade de independência da dinâmica social em relação à ação humana. É como se “os fatos sociais se desenvolvessem por si sós, como se obedecessem a uma dinâmica interna, fora da participação” (FREUND, 1980, p. 67). Para refutar essa concepção e aprofundar enfaticamente o pensamento weberiano, Freund refere que “A originalidade de Weber é não ter ele cortado as estruturas e instituições sociais da atividade multiforme do homem, que é ao mesmo tempo o seu obreiro e o dono de sua instituição” (FREUND, 1980, p. 68). Ou seja, percebe-se que em Weber há uma inextrincável relação entre o homem (ou sua ação) e o conjunto, ou a totalidade, das instituições sociais, as quais resultam diretamente da própria atitude, vontade e relação dos homens entre si. Nessa perspectiva, o homem é o grande criador das suas próprias instituições. É ele quem determina o sentido e o significado delas. E é justamente nessas instituições que eles constroem e destroem as relações sociais. O que interessa, portanto, para Weber é o conhecimento de como os homens se relacionam na sociedade. A partir do entendimento dessas relações, que não são estáticas, mas mudam gradativamente de acordo com o contexto e o curso dos acontecimentos é que se pode entender como se dá o processo de mutação das próprias instituições criadas pelos homens e que sofrem a influência de concepções diversas em tempos diferentes.
Segundo Freund, “o que lhe interessa (para Weber) é como o homem se comporta na comunidade e na sociedade, como forma essas relações e as transformas” (FREUND, 1980, p. 68). Ora, nesse sentido, o que o autor está querendo mostrar é que a compreensão, ou o entendimento, da dinâmica social com todas as suas instituições passa por uma ação primeira que consiste em conhecer o homem que habita uma determinada sociedade. O autor refere que “contentar-se como estudar a evolução de uma instituição unicamente no aspecto exterior, independe do que ela vem a ser pela ação do homem, é fugir a um aspecto capital da vida social” (FREUND, 1980, p. 68). Com essa reflexão, Freund ratifica a idéia de que a compreensão das instituições se torna impassível de ser captada enquanto desvinculada da ação humana.
Outro aspecto que aqui convém precisar é a articulação deste terceiro capitulo com o anterior. Essa ligação se dá quando neste o autor volta a tratar do método onde diz que 

Qualquer ciência pode proceder, segundo as necessidades de sua pesquisa, pelo método generalizante ou pelo método individualizante. Desde que o exame científico do problema permaneça aberto e não feche questões em nome de preconceitos e de prescrições filosófica a priori, não há motivo para que a Sociologia despreze o singular. (FREUND, 1980, p. 69).

Desse modo, o autor está pretendendo a confirmação daquela idéia anterior de Weber de que – na busca pela obtenção dos fins, a que pretende atingir – a ciência pode se valer tanto de um método quanto de outro, entretanto, não pode sobrepor um ao outro. Nesse sentido, é o andamento da pesquisa que vai dizer qual método deve ser usado, levando em consideração o contexto e a inconstância das concepções e ocorrências. O autor reconhece que isso também se aplica às ciências sociais. Tanto é que ele afirma que “é [...] um erro vedar à sociologia certos meios de investigação capazes de enriquecer nosso saber”. (FREUND, 1980, p. 69). Ou seja, não há uma unicidade metodológica, assim também como não há uma única ciência que dê conta da totalidade da realidade. Há, por conseguinte, como é sabido, diversas ciências, as quais estudam determinados setores da sociedade, ou até mesmo da natureza, a partir de diversos pontos de vista. É nesse sentido que Weber vai se tornar um defensor da interdisciplinaridade. Sendo assim, Freund refere que “respeitando a autonomia de cada ciência, cada qual esperando um setor determinado da realidade em virtude de um ponto de vista específico, Weber insiste na interação inevitável entre todas as disciplinas” (FREUND, 1980, p. 70). O autor insinua, portanto, que os resultados obtidos por uma ciência em sua pesquisa, podem até mesmo servir e contribuir relevantemente para a pesquisa de outra.
A Astronomia, por exemplo, estuda os astros e corpos celestes, tais como meteoros, cometas, asteróides etc. Em seus estudos os astrônomos determinam ou descobrem que daqui a 10 anos um choque inevitável vai ocorrer entre um elemento que se move no espaço e a terra, em cuja direção aquele se dirige. Com mais exatidão, os astrônomos descobrem que essa coalizão vai ocorrer em determinado centro de uma determinada cidade, por exemplo. Ora, não sendo imediato o acontecimento em relação à sua descoberta ou previsão, há, portanto, um lapso de tempo suficiente para que o cientista social estude basicamente toda as transformações que esse evento provocará na sociedade, como, por exemplo, a remoção do povo da cidade que será atingida para outra que seja segura; como isso deve ser feito; de que forma isso repercutirá na economia, nas relações sociais, nas instituições jurídicas e políticas daquela cidade que vai receber os desabrigados, etc. É justamente nesse sentido que os resultados da pesquisa de uma ciência contribui para o estudo ou análise de outra. É nessa perspectiva, portanto, que Weber defende uma interação entre as disciplinas, que aqui podem ser entendida como sendo as diversas ciências que existem. O autor, destarte, está insinuando que não há como fazer Sociologia, por exemplo, se não se procura relacioná-la com as demais disciplinas.
Feitas essas considerações, Freund encaminha o seu raciocínio rumo aquilo que constitui o seu objetivo neste primeiro item, qual seja, a definição da sociologia.
Chamamos sociologia (e é neste sentido que tomamos este termo de significação as mais diversas) uma ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação [...] a atividade social, para em seguida explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos dessa atividade (FREUND, 1980, p. 71).    

A noção de causalidade, aqui introduzida, cabe ressaltar, não pode ser compreendida com a mesma conotação a que esse termo equivale, ou significa, no âmbito das ciências naturais. No pensamento sociológico weberiano, a determinação das causas dos acontecimentos não se dá pelo advento dos efeitos a que elas produzem, mas sim pela compreensão deste. Weber faz o caminho inverso em relação à procedência das ciências naturais. Ele não nega a causalidade, mas introduz antes a compreensão, que vem a lume como precedente ao processo de determinação causal.
No segundo item, Freund orienta sua reflexão em torno da questão referente à compreensão. Neste, o objetivo dele é mostrar que, em Weber “a compreensão não passa de um meio auxiliar que torna mais fácil a descoberta do sentido” (FREUND, 1980, p. 76). Ou seja, compreender algo significa, justamente, descobrir o seu sentido. Nessa perspectiva, a própria compreensão já se apresenta, então, como um método, ou seja, um caminho que conduz ao descobrimento do sentido primeiro e originador da ação.
Ora, sendo a compreensão um método, Weber, segundo Freund, volta a sua preocupação justamente para a determinação da validade científica dela, pois, embora seja necessária, sozinha ela não leva à instituição de uma proposição científica. Nesse sentido, o autor refere que “a questão weberiana é pois a seguinte: em que medida a compreensão é um processo capaz de elaborar em sociologia verdades válidas para todas os que querem a verdade?”. (FREUND, 1980, p. 72). Essa problemática levantada pelo autor a propósito da construção de verdades válidas de algum modo aparece como contraste em relação à procedência das ciências naturais no que a esse mesmo assunto (verdade válida) diz respeito.
Nas ciências da natureza, por exemplo, a pretensão da busca, ou do alcance, da verdade pressupõe, incondicionalmente, a procura da relação que se dá entre causa e efeito. Na perspectiva das ciências sociais, o processo é feito de forma diferente. Nessa ciência, o que importa é compreender o sentido da ação e não a relação causa-efeito. É pela compreensão do sentido que melhor de pode chegar à compreensão da causalidade. Ou seja, para que se chegue ao conhecimento da causa é preciso compreender. Compreender, nesse caso, significa captar a evidência no sentido de uma atividade. Sendo assim, Freund refere que

A evidência comporta, todavia, graus variáveis de acordo com os casos. O grau mais elevado consiste na compreensão intelectual de uma atividade racional [...]. Compreendemos, com uma evidência simplesmente suficiente, as experiências alheias que estamos em condições de reviver [...]. (FREUND, 1980, p. 74).

A revivescência é, portanto, um aspecto fundamental, todavia, se situa apenas no feitio particular da compreensão. Desse modo, a interpretação a partir dela não comporta um grau elevado de significação. Sendo assim, “[...] a compreensão só pode confiar nas conclusões estabelecidas pela ciência [...]”. (FREUND, 1980, p. 74). A revivescência liga-se exclusivamente a fatores de natureza interna e, portanto, subjetivo. Desse modo a compreensão que daí decorre, carece de objetividade e até mesmo de rigor, o contrário do que ocorre na ciência. É nesse sentido que o autor afirma que “o grau mais elevado (da evidência) consiste na compreensão intelectual de uma atividade racional” (FREUND, 1980, p. 74). Com a racionalidade, a ciência mantém uma relação indissociável. É nesse contexto que a revivescência (por favorecer a compreensão no aspecto irracional) não alcança a validade científica.
Em suma, no que diz respeito a essa reflexão, o autor refere que “a compreensão nunca é senão um método auxiliar útil; não é, porém, indispensável. Facilita o trabalho do sociólogo, ajuda-o a resolver problemas de que ele jamais suspeitara sem ela, talvez; mas não é a ultima palavra da metodologia” (FREUND, 1980, p. 75).
O autor, portanto, não nega a importância da compreensão para a atividade do pesquisador das ciências sociais. Entretanto insinua que ela ainda precisa ser melhorada.

REFERENCIA  
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Trad. Luis Cláudio de Castro e Costa. Ed. 3. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980. 

RESENHA PARCIAL DO LIVRO "SOCIOLOGIA DE MAX WEBER" DE JULIEN FREUND

Resenha dos capítulos I, II e III
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FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Trad. Luis Cláudio de Castro e Costa. Ed. 3. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980. 
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Fábio Coimbra

Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
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Esta obra – que no todo constitui um clássico da sociologia – não tem outra intenção a não ser aquela de expor com a clareza o pensamento sociológico do ilustre Max Weber, cujo nome figura entre um dos principais da sociologia e sua totalidade, ou em toda a sua história.
Professor conferencista da Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Estrasburgo, Julien Freund, nesta obra, não têm a pretensão de apresentar uma interpretação pessoal acerca do magnífico Weber. Também não pretende aprofundar nenhuma daquelas que foram expostas por muitos. O que ele pretende é apenas refletir sobre pontos relevantes do pensamento weberiano tais os conceitos de “tipo ideal”, “sistema”, “causalidade”, “realidade”, dentre outros.  
Cumpre ressaltar que o livro não está sendo resenhado na totalidade de suas partes, mas apenas em seu aspecto parcial, enfaticamente, os capítulo I, II e III.
Quanto à forma os capitulo se estruturam da seguinte maneira: o primeiro capítulo – que discorre sobre “A VISÃO DO MUNDO” – subdivide-se em cinco pontos específicos de reflexão. 1. “Realidade e sistema”; 2. “Sociologia cientifica e sociologia reformadora”; 3. “A racionalização”; 4. “O antagonismo dos valores”; e 5. “A personalidade de Weber”; O segundo – no qual Freund aborda a questão referente à “METODOLOGIA” – em relação ao primeiro, já é um pouco mis denso. Dividi-se em seis momentos de reflexão, respectivamente: 1. “Método naturalista e método histórico”; 2. “Quantificação e experiência vivida”; 3. “Causalidade relação com os valores e interpretação”; 4. “O tipo ideal”; 5. “Possibilidade objetiva e causa adequada”; e, por fim, o item 6. “A neutralidade axiológica”; Finalmente, no terceiro capítulo ele vai discorrer sobre “A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA”. Similarmente ao segundo, esse ultimo capítulo também de constitui de seis itens, onde, especificamente, lê-se: 1. “A noção de sociologia compreensiva”; 2. “A compreensão”; 3. “A atividade social e seus diversos tipos”; 4. “O individuo”; 5. “As oportunidades e as estruturas sociais”; e 6. “A relação social e os conceitos fundamentais da sociologia”.
No que concerne aos capítulos em seus aspectos particulares, poder-se-ia dizer que o ponto central do primeiro é a critica que o autor faz ao plano de uma ciência verdadeira e que, como tal, se pretenda absoluta e, desse modo, universal. Para fins de elucidação, poder-se-ia trazer a lume o seguinte questionamento: é possível falar de uma verdade definitiva no plano da filosofia, ou até mesmo da própria ciência?
É importante ressaltar que, em princípio, o autor apresenta duas das questões fundamentais do pensamento weberiano e que aqui cabe ser destacado, a saber, dispersão e antagonismo. A primeira que concerne aos campos da metodologia da ciência e da própria filosofia, tem como objetivo ressaltar a importância do “periférico” na medida em que não visa à centralização de um núcleo. Já a segunda, por sua vez, repousa a sua essência na irredutibilidade a que comporta frente a qualquer sistema. A reflexão feita por Freund sobre esses dois elementos é que vai, por conseguinte, dimensionar e fundamentar todas as outras reflexões presentes neste capítulo inicial.
Cabe salientar a importância do cuidado que o leitor deve tomar ao fazer a leitura desse capítulo e especificamente a questão referente à dispersão. Pois, Uma leitura superficial, sem aprofundamento, poderá conduzi-lo à cogitação de Weber como um anti-sistemático, isto é, alguém que não orienta corretamente o seu pensamento para onde pretende conduzi-lo. Como prevenção a essa possível falha de entendimento, Julien Freund refere que Weber


Não era um adversário incondicional da sistematização de modo geral, mas considerava que no estado atual da ciência, exposta a incessantes correções, modificações e reviravoltas por força do caráter indefinido da pesquisa como tal, seria impossível edificar sistemas definitivos. (FREUND, 1980, p. 10).


                  Desse modo, ele quer mostrar a maneira como Weber analisa a ciência levando em conta o processo de mutação constante ao qual ela está o tempo todo exposta. Devido a essa mudança linear, se torna impossível estabelecer um sistema padrão universal que venha a ser impassível de revogabilidade. Daí se segue que devido a essa incompletude da ciência todo sistema não passa de um ponto de vista, o que tem por conseqüência a impossibilidade de generalizá-lo como modelo universal válido para todos os ramos do conhecimento.
Também relevante neste capítulo e a distinção estabelecida entre valor e fato, sobretudo, no campo das ciências humanas. O objetivo primordial disso é a eliminação de possíveis ambigüidades no que diz respeito ao entendimento de ambos. É fundamental lembra que, de acordo com o autor, o sentido da ação, no que diz respeito à pesquisa cientifica, reside nos obstáculos que são propostos pela própria pesquisa, ou trabalho científico. Desse modo, diga-se de passagem, a validade do valor não pode ser determinada pela objetividade científica.
Uma passagem interessante que traz o entendimento dos antagonismos e dos valores que, todavia, são diversos, é quando Freund diz que “à multiplicidade e ao antagonismo dos valores e dos fins correspondem à multiplicidade e o antagonismo dos pontos de vista sob os quais um fenômeno se deixa explicar cientificamente” (FREUND, 1980, P 11). Aqui o autor faz perceber que Weber, de algum modo está estabelecendo um paralelo, ou uma relação entre teoria e prática, entre ciência e ação, de modo que muitos dos desajustes que dá segunda podem advir, a primeira pode evitá-los.
Refletindo sobre a realidade propriamente dita, o autor afirma que “a realidade é incomensurável ao poder do nosso entendimento, de maneira que este nunca cessou de explorar os acontecimentos” (FREUND, 1980, p 12). Embora o entendimento não reproduza a realidade do ponto de vista daquilo que já está dado, ele pode muito bem fazê-lo por força dos conceitos. Desse modo, o autor demonstra haver uma grande distancia entre o conceito e o real, que segundo ele, é infinita, ou seja, jamais será suprimida. Sendo assim, embora a busca pelo conhecimento traga a necessidade do uso de conceitos, mesmo assim, esses ainda continuam inaptos à reprodução do real em sua integridade.
No item dois, o autor chama a atenção para dois aspectos, por ele observados, nas sociologias do sec. XIX. O primeiro é o seu caráter doutrinário, e o segundo seu caráter reformador. Ambos emergem, sobretudo, em detrimento do científico, segundo ele. E isso se percebe em, autores como Marx, Comte e Spencer. Dado esse momento, Freund refere que foi com Durkheim que se lançaram as bases para o surgimento de uma sociologia, que também foi entendida como ciência positiva. Nisso residiria, portanto, o mérito de Durkheim.


O certo é que no ano 1895 em que ele (Durkheim) publica as “Regras do método sociológico", Weber era professor na universidade de Fribourg-en-Brisgau e se ocupava muito mais de problemas de economia política e de política social do que sociológica. (FREUND, 1980, p. 14).


               Essa passagem mostra, portanto, que de início Weber está preocupado com outras questões, ao passo que Durkheim já era um teórico da sociologia.
No item três, o autor à luz de Weber, vai definir a idéia de que, dada a sua racionalização, o mundo perde, portanto, a sua sacralidade, sobretudo porque esse caráter racional (que se constitui como uma espécie de aprimoramento da ciência, e que era própria da civilização ocidental) consistia em uma nova forma de organizar a vida levando em conta a relação do homem com o meio que o circunda.
No item quatro, que trata do antagonismo dos valores, há uma sucinta reflexão sobre a irracionalidade, já que com a civilização ocidental o mundo se colocou sobre o trono da racionalização. O autor parte do princípio de que com o crescimento da racionalização, o irracional reforça-se ainda mais.
O segundo capítulo – no item inicial – apresenta como ponto central a contraposição de Max Webber em relação aos autores que preconizam a possibilidade de haver um “fundamento único para as ciências humanas”. O ponto de partida dessa reflexão weberiana

Tem por base a disputa metodológica que dividiu os universitários alemães ao apagar das luzes do século XIX. [...]. Naturalmente, o debate logo se converteu em uma discussão sobre a classificação das ciências e nesse particular, os partidários da autonomia das ciências humanas tomaram por sua vez partido contrário (FREUND, 1980, p. 32).


Para aqueles que cogitavam ser una a realidade, tais como Wildelband e Rickert, conforme refere o autor, o método seria o elemento primordial na classificação das ciências, por que a partir dele é que se poderia distinguir uma ciência da outra. Partindo do princípio de que “o sábio procura conhecer as relações gerais, ou então os fenômenos em sua singularidade” (FREUND, 1980, p. 33), os dois autores já citados concebem, em principio, a existência de dois métodos específicos, a saber, o método generalizante e o individualizante. Diante disso, o autor refere que

Tomando a si a distinção entre o método generalizante e o método individualizante, Webber não aceita as conclusões de Wildelband e Rickert, particularmente a divisão das ciências que eles fundamentam sobre tal diferença metodológica. Nada mais contestável do que reservar um desses métodos a uma série de ciências e outras na outra serie. Ao contrário, qualquer ciência utiliza, ao saber das circunstâncias, um e outro desses caminhos. (FREUND, 1980, p. 33).


                A contraposição de Webber em relação a esses autores se da, sobretudo, por uma dupla razão: primeiro, ele não aceita a divisão, ou classificação da ciência a partir do método, ou da diversidade deste; segundo, o evoluir da pesquisa pode trazer gradativamente a necessidade de mudar de método, donde se conclui que a ciência, no itinerário para o alcance de seus fins e objetivos, pode beber de diversas fontes metodológicas. De acordo com o autor “é falso dizer que na prática as ciências da natureza utilizam exclusivamente o método naturalístico ou generalizante, e as da cultura o processo histórico e individualizante” (FREUND, 1980, p. 33), o que, obviamente, corrobora o que foi dito acima. O autor considera que não há razões para privilegiar um método em detrimento de outro. É nessa perspectiva que ele afirma que “sendo o método uma técnica do conhecimento, é comandado pela lei de toda técnica, ou seja, a eficácia” (FREUND, 1980, p. 34), e conclui pela não existência de um método universal.
No segundo item, onde se discute sobre a “quantificação e experiências vividas”, um ponto importante que se pode destacar é a relação estabelecida entre o conhecimento e a realidade. Essa relação é mediada, pela conceitualização daquilo que está dado em uma dada realidade. A elaboração de conceitos se torna, assim, fundamental na ciência na medida em que exprime tanto uma realidade física, quanto social. Conceituar significa, aqui, restringir os fenômenos da realidade física o que, do ponto de vista lógico, facilita a compreensão. Desse modo, pode-se dizer que a conceitualização é, sem dúvida, uma das vertentes principais pela qual jorra o conhecimento cientifico.
No item três, que discorre, especificamente, sobre a “causalidade, a relação com os valores e a interpretação”, o autor, centrado em Webber, objetiva essencialmente retificar, em princípio, todo o mal-entendido que se gerou a partir do emprego errôneo do princípio da causalidade. De acordo com ele


Uns identificam, por exemplo, causalidade e legalidade, no sentido em que só a condição capaz de ser subordinada a uma lei mereceria ser chamada causa. É um erro, diz Webber. Um efeito acidental depende tanto de causas quanto um fenômeno dito necessário, e no fundo, todas as coisas que se produzem no mundo deviam produzir-se da maneira como se manifestam e não de outra. (FREUND, 1980, p. 39-40)


                 Com isso, o autor está querendo mostra que fenomenologicamente as ações pelas quais as coisas aparecem são contrarias àquelas pelas quais elas se produzem. Desse modo, aquilo que em um dado momento aparece como causa, pode, em um momento anterior, ter aparecido como efeito e vive-versa.
No quarto item Freund trata do “tipo ideal”, que segundo ele, foi uma noção criada por Webber “para dar aos conceitos utilizados pelo método um rigor suficiente” (FREUND, 1980, p. 48). O tipo ideal conforme refere o autor “designa o conjuntos dos conceitos que o especialista das ciências humanas constrói unicamente para os fins da pesquisa” (FREUND, 1980, p. 48). O tipo ideal é uma espécie de suporte a partir do qual uma abordagem da realidade – tanto por parte do sociólogo, quanto do historiador – se torna possível.
No quinto item sub-intitulado “possibilidade objetiva e causa adequada”, o autor afirmar que “a objetividade se fundamenta, pois, em nosso saber positivo das condições existentes” (FREUND, 1980, p. 57). Essa concepção do autor se torna fundamental na medida em que corrobora o que foi dito acima sobre a formulação do tipo ideal.
No sexto e ultimo item que trata da “neutralidade axiológica”, o autor afirma que “foi a propósito da neutralidade axiológica que Webber divergiu, por vezes violentamente, da maioria dos especialistas da metodologia do seu tempo” (FREUND, 1980, p. 61). Nesse ponto, o autor mostra que Webber não aceita que se apresente como verdades científicas convicções pessoais e subjetivas, sobretudo para que não se confunda as observações empíricas, passíveis de objeção do ponto de vista científico, com o julgamento de valor. 
No terceiro capítulo, Freund aborda como reflexão a própria sociologia – entretanto – na perspectiva da compreensão. Neste, uma de suas preocupações primeiras consiste em dar uma definição especifica para a sociologia. Desse modo, ele diz que “a definição que comumente se dá de Sociologia é a seguinte: é a ciência dos fatos sociais”. (FREUND, 1980, p. 67). Aqui surge, portanto um problema que consiste sobretudo em saber o que pode ser entendido por fato social. Nesse sentido, o autor refere que “denominamos fatos sociais o conjuntos das estruturas da sociedade, das instituições e dos costumes, das crenças coletivas etc.” (FREUND, 1980, p. 67). Desse modo, pode-se dizer que o fato social é todo aquele devir, ou aquela dinâmica social indissoluvelmente atrelada à ação humana.
Um ponto relevante levantado pelo autor é a contraposição de Weber em relação ao Durkheim em se tratando da divisão da sociologia. De acordo com Freund, em Durkheim


A Sociologia se divide em duas partes principais: de um lado, a morfologia social, que tem por fim descrever as estruturas com base em seu condicionamento geográfico, ecológico, demográfico, econômico etc. e de outro lado, a fisiologia social, cujo objetivo é o estudo do funcionamento dessas estruturas para descobrir as leis de sua evolução. (FREUND, 1980, p. 67).


Perceber-se, portanto, no pensamento de Durkheim, certa possibilidade de independência da dinâmica social em relação à ação humana. É como se “os fatos sociais se desenvolvessem por si sós, como se obedecessem a uma dinâmica interna, fora da participação” (FREUND, 1980, p. 67). Para refutar essa concepção e aprofundar enfaticamente o pensamento weberiano, Freund refere que “A originalidade de Weber é não ter ele cortado as estruturas e instituições sociais da atividade multiforme do homem, que é ao mesmo tempo o seu obreiro e o dono de sua instituição” (FREUND, 1980, p. 68). Ou seja, percebe-se que em Weber há uma inextrincável relação entre o homem (ou sua ação) e o conjunto, ou a totalidade, das instituições sociais, as quais resultam diretamente da própria atitude, vontade e relação dos homens entre si. Nessa perspectiva, o homem é o grande criador das suas próprias instituições. É ele quem determina o sentido e o significado delas. E é justamente nessas instituições que eles constroem e destroem as relações sociais. O que interessa, portanto, para Weber é o conhecimento de como os homens se relacionam na sociedade. A partir do entendimento dessas relações, que não são estáticas, mas mudam gradativamente de acordo com o contexto e o curso dos acontecimentos é que se pode entender como se dá o processo de mutação das próprias instituições criadas pelos homens e que sofrem a influência de concepções diversas em tempos diferentes.
Segundo Freund, “o que lhe interessa (para Weber) é como o homem se comporta na comunidade e na sociedade, como forma essas relações e as transformas” (FREUND, 1980, p. 68). Ora, nesse sentido, o que o autor está querendo mostrar é que a compreensão, ou o entendimento, da dinâmica social com todas as suas instituições passa por uma ação primeira que consiste em conhecer o homem que habita uma determinada sociedade. O autor refere que “contentar-se como estudar a evolução de uma instituição unicamente no aspecto exterior, independe do que ela vem a ser pela ação do homem, é fugir a um aspecto capital da vida social” (FREUND, 1980, p. 68). Com essa reflexão, Freund ratifica a idéia de que a compreensão das instituições se torna impassível de ser captada enquanto desvinculada da ação humana.
Um aspecto importante de ser lembrado é a articulação deste terceiro capitulo com o anterior. Essa ligação se dá quando neste o autor volta a tratar do método onde diz que 


Qualquer ciência pode proceder, segundo as necessidades de sua pesquisa, pelo método generalizante ou pelo método individualizante. Desde que o exame científico do problema permaneça aberto e não feche questões em nome de preconceitos e de prescrições filosófica a priori, não há motivo para que a Sociologia despreze o singular. (FREUND, 1980, p. 69).


Desse modo, o autor está pretendendo a confirmação daquela idéia anterior de Weber de que – na busca pela obtenção dos fins, a que pretende atingir – a ciência pode se valer tanto de um método quanto de outro, entretanto, não pode sobrepor um ao outro. Nesse sentido, é o andamento da pesquisa que vai dizer qual método deve ser usado, levando em consideração o contexto e a inconstância das concepções e ocorrências. O autor reconhece que isso também se aplica às ciências sociais. Tanto é que ele afirma que “é [...] um erro vedar à sociologia certos meios de investigação capazes de enriquecer nosso saber”. (FREUND, 1980, p. 69). Ou seja, não há uma unicidade metodológica, assim também como não há uma única ciência que dê conta da totalidade da realidade.
Dada essa reflexão, o autor estabelece, então, uma definição de sociologia, atingindo, portanto, o seu objetivo neste primeiro item.


Chamamos sociologia (e é neste sentido que tomamos este termo de significação as mais diversas) uma ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação [...] a atividade social, para em seguida explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos dessa atividade (FREUND, 1980, p. 71).   


No segundo item, reflexão do autor se dá em torno da questão referente à compreensão. Neste, sua pretensão fundamental é apontar que, em Weber “a compreensão não passa de um meio auxiliar que torna mais fácil a descoberta do sentido” (FREUND, 1980, p. 76). Ou seja, compreender algo significa, justamente, descobrir o seu sentido. “A questão weberiana é pois a seguinte: em que medida a compreensão é um processo capaz de elaborar em sociologia verdades válidas para todas os que querem a verdade?”. (FREUND, 1980, p. 72). Esse, segundo o autor, é o problema central ao qual Weber busca uma solução.
Nas ciências da natureza, por exemplo, a pretensão da busca, ou do alcance, da verdade pressupõe, incondicionalmente, a procura da relação que se dá entre causa e efeito. Na perspectiva das ciências sociais, o processo é feito de forma diferente. Nessa ciência, o que importa é compreender o sentido da ação e não a relação causa-efeito. É pela compreensão do sentido que melhor de pode chegar à compreensão da causalidade. Ou seja, para que se chegue ao conhecimento da causa é preciso primeiro compreender o efeito.
No item três, Freund parte do pressuposto de que a sociologia se ocupa do estudo do social. Nesse sentido ele demonstra haver diversos tipos de atividade social. Mas antes, ele refere que no pensamento de Weber pode se entendido como atividade social. De acordo com ele, “por atividade social entendemos a que, segundo o sentido visado, o agente ou os agentes relacionam com o comportamento de outrem para orientar, em conseqüência, seu desenvolvimento”. (FREUND, 1980, p. 78). De acordo com o autor, a definição da atividade social é feita a partir da racionalidade. Nesse sentido ele demonstra que “Weber distingue a atividade racional por finalidade, a atividade racional por valor, a atividade afetiva e atividade tradicional”. (FREUND, 1980, P. 79). É importante ressaltar que para haver a atividade social, é preciso, antes de tudo, que haja o contato entre as pessoas.   
No item quatro, o autor trata do Indivíduo. Neste item ele mostra que somente a consciência individual é que pode dá sentido à consciência. Isso se evidencia melhor quando autor afirma que “todo apelo a um sentido supõe uma consciência, e está é individual”. Refletindo sobre o Estado, o autor insinua que uma das preocupações desse (o Estado) é inserir os conflitos que estão inseridos na sociedade. Desse modo, estabelecendo um paralelo com a sociologia, Freund demonstra que a sociologia não está preocupada em saber se Lei é legitima ou não, mas sim, saber as transformações que foram geradas a partir do erro dessas leis.
No item cinco, discorrendo sobre “As oportunidades e as estruturas sociais”, o autor insinua que a obrigação também faz parte das relações sócias e, portanto, estão presentes na estrutura da sociedade. Considerando que as relações sociais são complexas e conflituosas, a obrigação se torna fundamental, sobretudo porque regulariza as relações sociais que pretende ser mais duráveis.  
No sexto (e ultimo item), em sua parte final, trata da luta que se tece na sociedade em vista das disputas pelo poder. Neste ponto, o autor refere que uma das características do Estado é o fato dele “deter o monopólio da violência e do constrangimento físico”. A idéia central neste contexto é a de que o estado usa da força para obrigar os cidadãos ao cumprimento de seus respectivos deveres. Nesse sentido, o que faz com que o Estado seja Estado é o fato de que ele tem força e usa dela para atingir seus objetivos. Em suma, não existe Estado sem força.  

A FRAGILIDADE DOS NEGÓCIOS HUMANOS IN: HANNAH ARENDT


A FRAGILIDADE DOS NEGÓCIOS HUMANOS[1]
Fábio Coimbra

O ponto central deste tópico tratado por Hannah Arendt é a elucidação da impossibilidade da construção de bases, ou estruturas que, de modo absoluto, assegure definitivamente a estabilidade dos negócios humanos.                                            
A propósito do presente problema, Hannah Arendt parte de uma reflexão sobre o ser (que aqui ela chama de agente) e a ação. A ação – que sempre se renova na medida em que aparece sob a forma de uma reação – é vista, por ela, como algo dotado da capacidade, ou dos requisitos básicos, para o estabelecimento de relações. Devido a esse caráter, é que a ação possui perfeitas condições de transcender os limites impostos, por exemplo, pela própria lei, bem como as fronteiras territoriais que distinguem um povo de outro. Nesse aspecto, um ponto relevante que aqui vem a lume é quando ela diz que “o menor dos atos, nas circunstâncias mais limitadas, traz em si a semente da mesma ilimitação, pois basta um ato e, as vezes, uma palavra para mudar todo um conjunto” (p. 203). Isso significa que um conjunto – que neste raciocínio pode ser tomado como sendo a realidade – nunca está totalmente acabado, ou fechado para a mudança. E isso procede dessa maneira justamente, por causa dessa ilimitação das relações que se origina por meio dos atos.
Ora, é nesse sentido, então, que Arendt refere que “os limites e fronteiras que existem na esfera dos negócios humanos jamais chegam a constituir estrutura capaz de resistir com segurança ao impacto com que cada nova geração vem ao mundo” (p. 204). A fragilidade dos negócios humanos se deve, portanto, a esse fluxo de mudança contínua que não encontra limites em nada. É devido a isso que não há como construir bases, ou estruturas capazes de estabilizar esses negócios, o que, por conseguinte, lhes tornam frágeis. A autora não ignora a relevância de meios que pretendem estabilizar esses empreendimentos (negócios). Todavia, reconhece que esses (os meios) não são absolutamente eficazes ao refreamento dos ânimos, ou da ação oriunda do interior do próprio corpo político, por exemplo. Ou seja, por mais que se tente barrar aos negócios humanos a ação do exterior (e até se consiga, certas vezes) há, no entanto, o desafio de obter esse mesmo êxito na esfera do interior, o que, segundo a autora, é praticamente impossível.     


[1] ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983. 

domingo, 13 de junho de 2010

PERFIL FILOSÓFICO DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU

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Fábio COIMBRA[1]

Natural de Genebra, Suíça, Rousseau (figura ilustre do século XVIII) caracteriza-se principalmente por ser um ponto mediador entre sociedade civil (com todas as suas implicações políticas) e sociedade natural (onde o homem é um ser completamente determinado pelas paixões, de onde decorrem suas ações). O espírito crítico – com o qual ele analisa os fatos que se lhe apresentam – é outro elemento que caracteriza a personalidade marcante de Rousseau.
Foi portador de uma inteligência culta e finíssima, e amante da natureza. Escreveu várias obras, dentre as quais convém destacar “O CONTRATO SOCIAL” e o “DISCURSO SOBRE A ORIGEM DA DESIGUALDADE”. Na primeira, ele critica indiretamente o absolutismo e o feudalismo, duas formas de governo que afligiram a Europa por vários séculos. A grandeza de Rousseau, nessa obra, reside, pois, no fato dele ter privilegiado um espaço (democrático participativo) no qual o povo pudesse participar ativamente no exercício do poder, (ao contrário do que previa os dois sistemas já mencionados, de onde as relações de poder decorem de uma verticalidade, vindo de cima para baixo) uma vez que esse tem a sua origem naquele. Já na segunda obra, aqui citada, o autor quer saber quando e a partir de que a desigualdade se inicia entre os homens, e como ela se manifesta entre eles.
A vida de Rousseau é totalmente marcada por dois campos, a saber: o natural e o social.

PROBLEMA
Não se abstendo de crítica às mazelas dos sistemas políticos cujos ditos, a preocupação de Rousseau se dá justamente em torno daquilo que, por esses sistemas era ignorado: a liberdade natural do homem. Para Rousseau o homem é livre, sendo-lhe essa um direito indissociável. De acordo com o autor, renunciar a sua liberdade é renunciar à sua qualidade de homem, inclusive aos seus deveres (é justamente nesse ponto que Rousseau vai divergir de Thomas Hobbes, segundo o qual os homens optaram por renunciar aos seus direitos e à sua liberdade, transferindo-os a um soberano). Ressalta ainda que tirar a liberdade à sua vontade, equivale a tirar toda a moralidade de suas ações.
O problema fundamental para Rousseau é, pois, como justificar a autoridade na ordem social sem prejudicar a liberdade. Sendo assim, é de se notar, em princípio, que essa problemática emerge, portanto, entre a autoridade e a liberdade. A primeira prever a obediência e é necessária para constituir uma sociedade. Já a segunda, por sua vez, é uma prerrogativa inalienável do ser humano. Daí que Rousseau sugere o pacto como elemento relevante ao advento da ordem social. Um pacto que tenha, obrigatoriamente, força suficiente para constituir uma sociedade, salvando, no entanto, a liberdade natural do homem. 
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pelo qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, contudo, senão a si mesmo e permaneça tão livre como antes. Tal é o problema fundamental a que o contrato social oferece solução. (O contrato social, livro I, cap. VI).

ARGUMENTOS
Na busca de uma possível solução a tal problema, Rousseau introduz o conceito de vontade geral. Para ele, é justamente essa que caracteriza o pacto que, por sua vez, é um acordo entre todos os indivíduos que formam à sociedade.
Convém aqui ressaltar que, para Rousseau vontade geral, não é mesma coisa que vontade de todos (ao contrário do que constantemente se houve falar). A distinção feita reside, portanto, no fato de que a primeira considera somente o interesse comum, enquanto que a segunda, o interesse privado não sendo outra coisa senão a soma de vontades particulares.

Submetendo-se cada um a todos, não se submete a ninguém em particular e, como não há um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se cede sobre si próprio, ganha-se a equivalência de tudo o que se perde e maior força para conservar a que se possui. (Rousseau, O contato social).

Cada individuo não faz o contrato com nenhum dos outros indivíduos, mas com o todo e como ele é parte desse todo, na realidade não firma contrato nem se obriga a não ser consigo mesmo, quer dizer que, o pacto social não ameaça a liberdade de cada um (Rousseau, “O contrato social.”).

(...) violado o pacto social, cada qual entra de novo na posse de seu primitivo direito e recupera a sua liberdade natural, perdendo a convencional em virtude daquela que renunciou. (Rousseau, “O contrato social”.).

Nota-se, portanto, que é justamente do pacto social que decorre a noção de vontade geral. Essa vontade, na verdade, resulta como produto do consenso dos indivíduos na realização do contrato. Cabe lembra que ela (vontade geral) é supra-individual, o que significa dizer que – desse modo – se estende por sobre cada um em particular sem alterar a liberdade.

HIPÓTESE
A autoridade na ordem social não prejudica a liberdade na medida em que essa mesma ordem tem sua origem no contrato feito pelo próprio povo, de modo geral. Ela é, portanto, instituída por ele (o povo), que por sua vez, é o seu próprio legislador.


REFERÊNCIA
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O CONTRATO SOCIAL. Trad.: Ciro Mioranza. São Paulo: Escala: s/d. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 13).




[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão

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